sábado, dezembro 18, 2004

Torres de Alcântara – Um estudo de caso

Os romanos diziam Ex digito, gigans – que é como quem diz pelo dedo se conhece o gigante. Tomando essa máxima à letra, os autarcas que gerem os destinos da cidade de Lisboa desde Dezembro de 2001 têm tentado afincadamente que a sua passagem pelo município se traduza em grandes obras, expressão tão oca como simbólica, traduzida pelo afã de construção civil e pelas inaugurações apressadas de novos símbolos de betão ou cimento.
Nas cidades pequenas, por escassez do erário público, os autarcas construem rotundas, muitas rotundas. Em Lisboa, onde o orçamento camarário é muitas vezes superior, chamam-se arquitectos de reputação invejável e projectam-se obras de estalo. A escala é diferente – o estilo é o mesmo.
Já escrevi atempadamente sobre o túnel do marquês de Pombal (ver "post" integral aqui)e sobre aquilo que me parece ser uma inutilidade para a cidade e para esta zona concreta do centro. Todavia, ainda não me tinha debruçado sobre as torres de Alcântara. Contextualizemos o leitor menos identificado com o projecto.
Em meados de 2002, Santana Lopes desvendou um projecto que rapidamente se tornou conhecido pelo nome popular de "torres do Siza". Concebido por Siza Vieira, o empreendimento inclui torres de 105 metros de altura nos terrenos da antiga fábrica de açúcar da Sidul e assenta na peregrina ideia de que o desrespeito pela volumetria da zona se justifica com construção em altura. Se se erguerem duas torres de 30 andares, com uma altura estimada superior à do tabuleiro da ponte 25 de Abril, dispensa-se a construção de muitos blocos de prédios de oito andares, que densificariam Alcântara e tornariam irrespirável a vida na freguesia! Argumento absurdo! Passámos portanto para um modelo civilizacional urbano, que defende a construção em altura para ganhar espaço para as zonas verdes.
De facto, o projecto contempla a criação de uma alameda perpendicular ao rio, dois hectares de espaços verdes e 2.250 lugares de estacionamento. Que diabo! O sacrifício de ter dois palitos gigantes junto ao rio até justifica que não se cumpra o Plano Director Municipal em Alcântara. Santana Lopes, então edil da cidade, considerou mesmo que ele enriquecia culturalmente a cidade. O autarca não esclareceu, porém, de que forma enigmática o projecto se tornaria uma mais valia cultural. Afinal de contas, fora da sua autoria o cartaz cretino afixado na zona no mês anterior ao anúncio do projecto: você nem sabe o que vai aqui acontecer! Ninguém imaginava, de facto.
Nos próximos meses, a cidadania dos lisboetas será colocada a teste. Os movimentos cívicos em torno da contestação ao túnel do Marquês conseguiram que o projecto fosse amplamente discutido nos media e salvaguardaram algumas garantias. Não se travou o empreendimento, mas, pelo menos, não se queimaram etapas fundamentais, como o estudo de impacte ambiental. No caso de Alcântara (e também no arranha-céus de Santos, também da autoria de uma celebridade, o inglês Norman Foster), a visibilidade do tema foi-se extinguindo de 2002 para cá. Sem grande convicção, foi avançando a ideia de um referendo, mas o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa já fez saber que será impensável pedir a opinião dos lisboetas antes de Julho, uma vez que um referendo tem forçosamente de se afastar das votações eleitorais para a Assembleia da República (Fevereiro) e para as autarquias (Outubro). E resta saber se ele será vinculativa ou meramente uma figura de consulta.
Entretanto, vagarosamente, o processo foi sendo aprovado nas várias instâncias. Não está ainda num ponto de não retorno, como o túnel do Marquês já estava à data da primeira providência cautelar de Sá Fernandes. Mas preocupa-me bastante que o Partido Socialista lisboeta não tenha ainda contestado a obra. Este mutismo poderá querer dizer que o vencedor das próximas autárquicas, qualquer que ele seja, dará luz verde a esta nova interpretação das violações aos PDM: são portanto um mal menor, que visa evitar os prédios de menores volumetrias e aumentar espaços verdes. O argumento seria a defesa do estatuto de excepção para um projecto urbanístico de interesse social e económico para a freguesia de implantação. Se o argumento colher, será um fartar vilanagem por esse país fora.
Há alguns anos, o município de Almada esteve perto de aprovar a chamada Manhattan de Cacilhas. Os cidadãos indignaram-se, os turistas apavoraram com a ideia de um gigantesco intruso à beira-rio, os jornalistas criticaram. Temerosos, os empreendedores recuaram. Livrámo-nos então dessa ideia peregrina. Mas algures na região de Lisboa a concepção fermentou e foi reciclada. Apresentadas por um nome respeitável da arquitectura, sob o manto da modernidade e da inovação, as torres de Alcântara serão, estou certo, um caso de estudo para Lisboa e outras cidades do país: a mobilização de cada um, a discussão pública, a capacidade de apresentar outras propostas e de rebater este modelo moldarão a beira-rio para o próximo século. A submissão às torres do Siza agora entreabre a porta para as torres que se seguirão.

3 comentários:

Anónimo disse...

Concordo com tudo o que neste post está escrito, mas não vejo nele um único argumento ecológico. Será anti-ecológico, e porquê, construir torres?

2.250 lugares de estacionamento, a 20 metros quadrados por carro - incluindo os espaços de circulação - faz 4 hectares e meio de parques de estacionamento: o dobro das áreas verdes.

De onde virá a energia consumida pelas torres? De paineis solares não será, certamente.

Gonçalo Pereira disse...

Os jornais de hoje (22/12) referem que as infelizes torres de Alcântara já não serão construídas. Resta o arranha-céus de Norman Foster, projectado para Santos. Voltarei ao tema nas próximas semanas.

Anónimo disse...

A opção de construir torres é muito mais viável no mundo actual, desde que sejam de qualidade (formas, materiais, enquadramento, etc). Não é por acaso que esta tipologia está agora ser muito adoptada na Europa. Além de pouparem imenso espaço, poupam dinheiro em infraestruturas e encurtam distâncias. Todos aqueles que são "contra" torres não sabem do que falam e não tem conhecimentto do mundo e de urbanismo. Então começam a divagar, pois o que conhecem são as pseudo-torres (12 andares e com marquisdes e telhas) que foram feitas em Portugal pelos "patos-bravos" nas últimas décadas e associam a palavra "torre" a isso!!! Desconhecem por completo La Defense em Paris, Roterdão, Berlim (potsdamer platz), o novo projecto para Milão que também contempla 3 torres acima de 200m, o Madrid Arena já em construção avançada (4 torres de 250m), as propostas para Valência do Calatrava e do Jean Nouvel (200 a 300m), a torre do Cesar Pelli para Bilbao (170m), as novas torres para Barcelona,as várias torres em construção em Londres (tudo acima dos 150m indo até aos 300m), as novas torres de Moscovo em construção (300m). E no final dizem "Lisboa não é Nova Iorque ou Hong Kong!". Tenham dó, querem comparar torres de 100m (as propostas para lisboa) com edifícios de 200, 300, 400 ou mais metros? Haja paciência. Se não gostam de torres, voltem para a aldeia, que as cidades não são lugares para vocês. Parem com essa conversa das colinas e do rio, S. Francisco também tem colinas e tremores de terra, Istambul também tem colinas, e no entanto têm construído torres que fazem as de Lisboa parecer coisa de crianças. Os portugueses gostam é das casinhas dos patos-bravos, a encher, encher, a perder de vista, até parece que o país é muito grande... Por vossa vontade ainda viviam no século XIX. A paranóia anti-torres em Portugal mete nojo. Se fosse um caso ou outro, até havia desculpa, mas haver SEMPRE polémica quando se fala de torres demonstra uma mentalidade hiper retrógada, vinda dum povo que NUNCA se interessou por arquitectura.