Acabei agora de ler “Disasters
and the Media”, obra de síntese de Mervi Pantti, Karin Wahl-Jorgensen e Simon
Cottle sobre este campo fascinante da representação jornalística dos desastres.
Como quase tudo o que Cottle publicou, é exaustivo e passa em revista os
contributos importantes sobre as várias dimensões do tema.
Aborda as tragédias na era da
televisão e a impossível missão jornalística de conciliar padrões profissionais
de equilíbrio, distância e objectividade com a realidade crua do Haiti’10, de
Bam’04, de Sechuan’08 ou de Paddington’96. Reflecte sobre a ânsia que nos
consome face a estes registos de incerteza manufacturada que nos entram pela
sala adentro e que nos motivam a exigir culpados e a atribuir culpas. Por fim,
não esconde que a profusão de cidadãos-jornalistas entre membros do pessoal de
socorro, vítimas, sobreviventes e testemunhas anónimas tem criado uma cacofonia
de som e imagem difícil de gerir, provocando atrito no monopólio que os media
tradicionais tinham para mediar estas crises.
Foi com grata surpresa que
detectei uma investigadora portuguesa citada abundantemente na obra, no
capítulo sobre a era das tragédias globais. Sem favores nem falsos
patriotismos, é gratificante verificar que a obra de Helena Murteira, da
Universidade de Évora, galgou fronteiras e fornece elementos úteis para
contextualizar o grande sismo de Lisboa de 1755 no quadro desta questão.
Murteira chama-lhe “o primeiro grande
acontecimento da história” – acontecimento no sentido jornalístico, na medida
em que a ocorrência foi transformada em notícia por toda a Europa e América do
Norte e mobilizou/escandalizou jornalistas, políticos e pensadores.
Murteira argumenta também que data de 1755
o princípio das respostas a emergências coordenadas pelo Estado, uma determinação
evidente no século XXI, mas profundamente revolucionária para o século XVIII.
Nasceram também em Lisboa, em 1755, as primeiras demonstrações transnacionais
de solidariedade e oferta de apoio que ainda hoje sucedem na sequência de
grandes desastres. De muitas maneiras, o sismo de 1755 foi o primeiro desastre
moderno.
A esta linha de raciocínio, Paanti e
colegas juntaram um dado adicional: foi o sismo de 1755 que constituiu a
divisória fundamental na compreensão colectiva dos desastres naturais e das
forças que os causam. Com o infausto evento de Lisboa, terminou definitivamente
o paradigma do desastre como punição para os pecados humanos. E abriu-se espaço
para o confronto entre a responsabilidade da agência humana e da aleatoriedade
natural na profusão de desastres. A caixa de Pandora do risco abriu-se para
nunca mais ser fechada: se não temos influência nos desastres, se nada podemos
fazer para os prevenir, mais vale, como o “Cândido” de Voltaire, assumir essa
imprevisibilidade e não descurar o cultivo do nosso jardim...
A ler, se tiverem oportunidade.
1 comentário:
Gonçalamigo
Estive no terramoto da Roménia (1977), no tremendo desastre de Saint Louis, na derroca da Rocinha, em três desastre ferroviários, no abanão na Serra Pelada, na monstruosidade do Haiti, no terramoto da Cidade do México sempre em serviço do DN.
Sei bem o que tudo isso foi e infelizmente é e será. E também como é difícil concatenar ideias, escolher fotografias. E na época das linotypes.. Por isso vou ler esta obra que analisa, escrever textos, passá-los a tempo e horas para "não se perderam os comboios". E engolir o medo, o sofrimento a desolação e até as lágrimas.
Nesses momentos em que o Jornalista supera o Homem (os dois em caixa alta) descobri como somos e o que fazemos - e faremos - e também que não passamos duma cagadela de mosquito face ao Mundo e, ainda pior, ao Universo.
O nónio apaga-se, o cronómetro desaparece, o cronómetro fica parado e, por incrível que pareça "e pur si muove". Esfrangalhados os nervos, há que seguir em frente, há que mandar o serviço: "Cuidar dos vivos, enterrar os mortos!"
Há que louvar a Helena Murteira (que não conheço, mas tentarei conhecer) por ter levado ao mundo o ano da desgraça, que não da graça de 1755.
E prometo-te que vou ler O "Disasters and the Media" porque me aguçaste o apetite...
Espero que faças duas coisas (aue afinal são três...):
1) Ir à minha Travessa, ser seu seguidor e comentar, jáaaaaaaa;
2) Comprar e ler o meu Crónicas das minhas teclas e
3) Mandar-me o teu imeile (criação minha...) para te incluir na minha lista de chateados. Obrigado
Abç
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