terça-feira, outubro 10, 2006

Olé… Porquê?

Em Espanha, debate-se a criação do 14.º parque nacional do país – Monfragüe –, um processo envolto em alguma crispação, pois ocorre já depois de o Tribunal Constitucional espanhol ter lançado uma bomba administrativa: a sentença 194/2004, datada de Novembro de 2004. Segundo os señores juízes, as comunidades autónomas serão, a partir de agora, a autoridade máxima para gestão dos parques nacionais. O Estado, se participar na gestão das áreas protegidas, fá-lo-á residualmente, sobretudo em parques cujas fronteiras não se compadeçam com os limites das juntas autónomas.
Em dois anos, as mudanças são para já graduais. O Parque Nacional de Aigüestortes já está sob administração da Junta da Catalunha, e Doñana, Sierra Nevada e Monfragüe encontram-se sob alçada da Junta da Andaluzia. Os restantes arrastam os pés, provavelmente porque as respectivas comunidades autónomas não têm meios ou vontade de agarrar o touro pelos chifres. Para já, é o Organismo Autónomo de Parques Nacionais, dependente do Ministério do Meio Ambiente, que arca com a responsabilidade.
A medida, há muito solicitada pelas sensibilidades autónomas, afigura-se perigosa. Em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional não pareceu cuidar da elementar distinção entre parques nacionais e parques naturais. Os primeiros são, por definição do documento modelador da rede espanhola de áreas protegidas, “áreas de interesse para a nação” e “ecossistemas únicos no país”. Ao “entregá-los” a entidades regionais, envia-se uma mensagem difusa: os parques até são nacionais, mas o Estado central prefere não os gerir. Nacionais na forma, regionais no conteúdo, entenda-se,
Segundo problema: as pessoas. Afigura-se lógico que o Organismo Autónomo caminha a passos largos para a extinção. E os seus funcionários? Serão automaticamente transferidos para as respectivas juntas autónomas? E no caso do Parque Nacional dos Picos de Europa, que se espraia por duas autonomias diferentes? Quem herda os “recursos humanos”? E o passado contratual de vigilantes, biólogos e guias: é mantido ou obliterado? A rede de áreas protegidas espanhola está em polvorosa, ao ponto de, vejam lá, nos invejarem a tranquilidade (mal eles sabem!…)
Terceiro problema: a ausência de um órgão de arbitragem. Transponham o caso para a realidade portuguesa. Imaginem a dissolução do Instituto da Conservação da Natureza enquanto entidade gestora das áreas protegidas sob dependência do Ministério do Ambiente e a criação de unidades múltiplas de gestão de uma única área protegida. Quem atribui fundos? Quem responde por projectos internacionais? Quem coordena estratégias nacionais? As autonomias? É como pedir ao maluco para gerir ao asilo...
Pessoalmente, penso que Portugal tem pouco a importar do modelo espanhol de gestão de áreas protegidas. Por felizes circunstâncias, a eventual adaptação da medida ao nosso território parece improvável: nem os municípios ou áreas metropolitanas têm legitimidade para o requerer, nem há uma vaga de fundo regionalista e orgulhosa, ansiosa por ferrar o dente em todos os resquícios da nacionalidade institucional? Por isso, olhamos com um certo desdém para as ambições dos Fernandos Ruas espanhóis. Nem tudo é azul no país vizinho.

3 comentários:

Luis Quinta disse...

Por vezes as rosas tem muitos espinhos. Ainda recentemente ouvi por ai... que existem ideias de estender o Parque Natural da Costa Vicencita para a zona marinha (mar/subaquático). E pergunto, se nem em terra aquilo tem organização para quê criar mais area e mais confusão? para aumentar os números?
Olhem para o triste exemplo do Parque Natural do Tejo Internacional - Uma vergonha. Sem meios, sem funcionarios, sem orçamento, sem respeito.
Entre Espanha e Portugal venha o diabo e escolha...

Anónimo disse...

O seu blogue até é simpático mas permita-me uma crítica: os textos são compridos, densos e um bocado chatos. Noto que aborda assuntos simples com uma solenidade despropositada. Há coisas que se podem resumir em dez linhas com uma linguagem rica e eficaz.
A vida não tem de ser cinzenta. Mais criatividade e poder de síntese, please!

Gonçalo Pereira disse...

Crítica devastadora, Rosário. Mas fica anotada.
Repito, porém, a frase que escolhi para mote do blogue: “Se os dez Mandamentos fossem anunciados hoje, as televisões narrariam a história, dizendo: ‘O Senhor anunciou 10 Mandamentos. Os três mais importantes são…'”
Cumprimentos