terça-feira, agosto 01, 2006

Elementar (In)Justiça


Era uma vez uma gruta descoberta na serra da Arrábida por um grupo de entusiastas de espeleologia. Ninguém a conhecia. Ninguém suspeitava dela. Foi aberta com sangue e suor, fruto de muitas horas de trabalho de escavação paciente da rocha. O esforço foi premiado no dia em que a Gruta do Frade foi desvendada, revelando várias galerias de inesperada beleza (ver por exemplo aqui). Para o Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA), foi a proeza que justificou uma década de paciente trabalho de sapa na Arrábida.
Um dia, porém, o Parque Natural da Arrábida (PNA) decidiu envolver-se no processo. Pareceu-lhe bem estar associado, por uma vez que fosse, a um processo de carga positiva, longe dos planos de ordenamento que não se aprovam, das construções ilegais que não se destroem, das regulamentações que não se fazem cumprir, da corrupção que não se consegue evitar. Como sucede em quase tudo o que toca, o PNA estragou. Encheu o peito de ar, reclamou jurisdição sobre a formação geológica, mudou-lhe o nome (!?!) e apressou-se a mudar chaves e cadeados de acesso à gruta (ali colocados para efeitos de protecção, não fosse alguma alma danada entrar por ali adentro sem lei nem roque).
A experiência já não é virgem. A comunidade científica "oficial" dá-se mal com os amadores, com os carolas. São giros enquanto não chateiam. São óptimos para esburacar a rocha, debater-se com camadas de lama até à cintura ou fazer o trabalho duro para o qual - é forçoso reconhecê-lo - os senhores de paletó e jaqueta não têm gosto nem vocação. Era o que mais faltava!
Quando o achado se desvenda, porém, a música é outra. Pressente-se a respiração ofegante, a transpiração nervosa dos homens da ciência. Um achado! Ser o primeiro a documentar. Revelar um novo achado à ciência, aos pares e aos jornalistas. Ah! Ser digno de figurar na história ao lado de Carlos Ribeiro ou Nery Delgado.
Pelo meio, cada vez mais perdidos num oceano de indiferença, quais escolhos batidos violentamente pelas águas, os espeleólogos são afastados do processo de decisão e investigação do achado. Do "seu" achado. Foram úteis no início, agora são dispensáveis. Mastiga e deita fora, dizia a canção.
Como corolário de uma série de desconsiderações, o NECA já não pode entrar na Gruta do Frade (agora, designada por Algar do PInheirinho). Já não a pode cartografar até ao fim. Já não pode revelar os seus mais íntimos segredos.
Humildemente, reconheço parte da culpa.
Há três anos, publiquei, com inestimável apoio do NECA (que produziu texto e imagens), a primeira reportagem sobre a Gruta do Frade, ilustrada a preceito e com um esboço da cartografia já realizada. Foi talvez o primeiro acto de divulgação da Gruta para uma audiência nacional. Agora, sei que não o deveria ter feito. A Gruta do Frade (tenham paciência, mas Algar do Pinheirinho não!) deveria ter sido escondida. Escondida do ICN, dos geólogos e sobretudo do Parque Natural da Arrábida. Agora é tarde.

5 comentários:

Anónimo disse...

Algar do Pinheirinho não porquê, Gonçalo? ora, ora. Que mania essa de ir contra as decisões da autoridade! Se os homens escolheram esse nome é por uma boa razão, não lhe parece? Quanto à reportagem que fez sobre a gruta, ainda bem que está arrependido. Mas não é pelos motivos que pensa.

Gonçalo Pereira disse...

Discutamos então a escolha do nome, uma vez que o resto ficou misteriosamente no ar.
Em espeleologia, aceita-se a convenção de que o nome para uma nova gruta deve, em primeiro instância, respeitar a nomenclatura que os habitantes locais usam tradicionalmente. Não é este o caso, uma vez que ninguém conhecia a gruta.
Segundo critério: cabe ao responsável pela descoberta, ou ao autor da primeira descrição do local, a honra de escolher o nome. No caso da Gruta do Frade, os autores da descoberta foram também os primeiros a descrever o achado. Parece-me claro. Não concorda?

Anónimo disse...

A gruta do Frade é uma importante descoberta e mais uma jóia a acrescentar ao vasto tesouro da Arrábida. A autoria da fantástica descoberta, essa já ninguém a tira. Nomes? O Tempo o dirá, para mim será sempre a gruta do Frade. Chaves e cadeados são necessários para uma protecção eficaz contra algum acto de vandalismo já esperado e desta forma precavido. Mas pelo amor á Natureza a gruta não é de ninguém e é de todos, ao NECA deve-se a sua descoberta cabe agora as autoridades competentes zelar pela conservação, estudo e divulgação. O erro, meus amigos, está na forma como isto é feito. A ciência evolui quando existe COLABORAÇÃO. Espero que as duas partes envolvidas tenham o bom senso de colaborarem e em conjunto estabelecerem um plano de gestão, para da melhor forma preservar e divulgar esta fantástica riqueza geológica. Aos Doutores e Engenheiros do PNA peço, compreensão e bom censo, se não deixam as pessoas trabalhar e contribuir para o conhecimento cientifico, tenham a decência de o fazer, pouco que seja…

J. Dias

Gonçalo Pereira disse...

Caro João,
As minhas desculpas pelo atraso na moderação do comentário. Férias são férias e vi, com muito atraso, o e-mail de notificação de comentário.

Anónimo disse...

nem tudo é o que parece...