Aspecto da apresentação. Ao computador, Rui Castanhinha. No ecrã, ilustração de Fernando Correia, preparada para a National Geographic. |
Luís Costa Júnior (Museu Nacional de Geologia, Moçambique) discursa. |
“Estamos aqui a celebrar um acto de coragem do Rui e do Ricardo.”
As palavras são invasivas, provocatórias como se pretende num homem da ciência. Enchem a sala e incomodam.
“Eles avançaram quando, à sua volta, a maioria dos colegas está a desistir. A emigrar. A parar projectos por falta de financiamento.”
O orador de ocasião é Gabriel Martins, do Instituto Gulbenkian de Ciência, co-autor do artigo que descreve uma nova espécie de sinapsídeo para a província do Niassa, em Moçambique. E destinam-se aos dois autores principais, os paleontólogos Rui Castanhinha e Ricardo Araújo, lourinhanenses, doutorandos, bolseiros da National Geographic Society (não esqueçamos de puxar a brasa à minha sardinha!) e pioneiros no processo de estudo, diagnóstico e divulgação de fósseis – neste caso do final do Pérmico, há cerca de 256 milhões de anos.
Subscrevo todos os qualificativos. Quer o Rui, quer o Ricardo são cientistas hábeis, homens de sangue novo. Batem às várias portas e transformam “nãos” em “sins” pela força da persuasão e do entusiasmo. Percebe-se à légua que, para lá da ciência, há entusiasmo juvenil, que vem de longe (a professora de licenciatura do Rui em Évora di-lo-á mais tarde, durante a sessão) e move montanhas.
O projecto PalNiassa, que encontrou em Luís Costa Júnior, director do Museu Nacional de Geologia, em Maputo, o último vértice decisivo, nasceu da sua teimosia e perseverança. Da capacidade de, esgotadas as fontes de financiamento tradicionais, encontrar novas parcerias sem abdicar das metas.
“O Rui e o Ricardo levaram a paleontologia para a fase 2.0”, anoto no meu bloco, quase sem pensar.
Depois deste artigo, a descrição de um fóssil tornou-se um acto de precisão matemática. Um preciosismo biológico. Um inventário exaustivo de ossos e ligações. Com tomografias axiais, projecções 3D, medições minuciosas e inferências morfológicas, estamos bem longe dos naturalistas oitocentistas, desenhando em pranchas sublimes a morfologia dos seus objectos, mas limitados pelo que o olho via.
Depois, há a dimensão que mais aprecio – a da responsabilidade social. Encontro com frequência cientistas que abdicaram há muito do investimento na divulgação. Na maior parte dos casos, pressinto a fadiga compreensível, a frustração de batalhas anteriores, travadas com jornalistas que perceberam mal a mensagem. Que desvirtuaram as descobertas. Que não perceberam as implicações. Que manipularam a informação. Mas a batalha da divulgação é demasiado importante para derrotismos.
“A informação está aqui, os vídeos e as réplicas permitem tocar, brincar e explorar o animal. E a ciência puxará pela educação”, diz, do fundo do ecrã, o Ricardo, comunicando por Skype com a audiência e tentando esquecer que, no Texas profundo onde estuda, a madrugada ainda é jovem.
É exactamente este o meu ponto de vista. Do entusiasmo da descoberta, do fascínio da ciência, emergirá o gosto pela educação.
E outros Ruis e Ricardos puxarão a carruagem no futuro.
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