A National Geographic completa hoje 19
anos, pois a primeira edição da revista foi apresentada aos leitores em Abril
de 2001. Todos os anos, evoco aqui uma história sobre esta caminhada, lembrando
amigos e camaradas que trabalharam neste projecto e foram seguindo outros
trilhos. Permitam que este ano evoque o momento mais embaraçoso – o dia em que
uma iniciativa nossa percorreu o mundo pelos piores motivos.
Corria o mês de Novembro de 2002 e o tema
forte da edição desse mês era um dossier muito bem feito sobre armas de
destruição maciça. A vida mudara muito no ano e meio que levávamos de
actividade. A TVI emitia agora um estranho reality
show chamado “Big Brother” que a SIC desdenhara. Guterres demitira-se na
sequência do «pântano». Dois aviões tinham embatido nas Torres Gémeas de Nova
Iorque. O Sporting acabara de se sagrar campeão. O Paulo Farinha ainda tinha
cabelo. No Parlamento inglês, entrava pela primeira vez um jovem deputado
despenteado chamado Boris Johnson. E, no início desse Outono de 2002, o mundo
começava a assustar-se com as notícias de cartas cobertas com o terrível
anthrax enviadas por remetentes desconhecidos para figuras políticas.
A criação de campanhas de promoção de cada
edição da revista ficava então a cargo da Bates Portugal, agência talentosa que
acumulava prémios nacionais e internacionais. Por força de integrarmos o
indestrutível universo da Lusomundo/PT (pois...), dispúnhamos de espaço
privilegiado nos jornais mais importantes do grupo – o Jornal de Notícias e o Diário
de Notícias – para anunciarmos, com as trompetas do apocalipse, o tema de
capa de cada edição.
Decidiu-se (não interessa quem, pois
concordámos todos que era uma belíssima ideia) que iríamos desenvolver uma
acção ousada com a edição desse mês. Se o tema era armas de destruição maciça,
utilizaríamos uma alegoria com o risco mais assustador do momento.
Foi criada uma página negra com um envelope
escondido por um suporte de plástico. A página referia apenas: “Este envelope é
para si. Por favor, abra-o.”
Curiosos, os leitores do DN e do JN
respeitaram as instruções.
Puxavam o envelope, não reparando de
imediato que este estava coberto por alguns grãos de pó branco. Abriam o
envelope e liam: “Se isto não fosse uma simulação, você podia ter sido
contaminado por Anthrax 836.” E havia mais pó. Muito mais pó. Era,
naturalmente, pó de talco – na altura, não conseguimos obter Anthrax 836 a um
preço razoável!!!
Adivinho o que vão dizer – a ideia era
estúpida, mas, por norma, vibrávamos muito com as propostas criativas da agência
do Paulo Santos, do Pedro Ferreira e da Judite Mota. Na altura, não me recordo
de vozes dissidentes. A todos pareceu uma óptima ideia para promover a revista.
Chegou o dia 17 de Novembro.
Os dois jornais do grupo são publicados com
a criatividade. E começa o pandemónio. A telefonista do edifício do Diário de
Notícias não cessa de receber telefonemas de leitores aterrorizados, querendo
saber se estão contaminados. A princípio, nem sequer percebe o que se está a
passar, mas, à força de repetição, começa a amaldiçoar-nos. Lançar-nos-á
olhares cheios de ódio nos dias seguintes.
No JN, regista-se igual fenómeno. As
redacções dos dois jornais, naturalmente irritadas com uma campanha que lhes é
alheia mas que provoca o pandemónio junto dos seus próprios leitores, lavam as
mãos da responsabilidade. João Pedro Fonseca, do DN, chuta para nós a culpa,
como não poderia deixar de ser. Couto Soares, no Porto, dá conta de dezenas de
telefonemas de leitores e até da polícia. O que diabo está a National
Geographic a fazer com Anthrax?
A notícia corre o globo. Os jornalistas da
Lusa, esses grandes histéricos, escrevem um despacho sobre o tema. Alguém no Brasil
aproveita a deixa. Nos Estados Unidos, também. Em França, aussi. Desdobramo-nos em mil explicações. É um alerta para aumentar
a percepção do risco, explica o Sérgio Coimbra, então director. Ninguém o ouve.
Estávamos no triste papel do comediante que sobe ao palco para contar uma
anedota que julga espantosa mas ninguém se ri.
Há três punchlines
possíveis para esta história. Um é o facto de, ainda hoje, este episódio
constar do portal AnthraxInvestigation, como exemplo de um falso alarme –
fizemos história e pusemos Portugal no mapa, malta!
O outro é que, meses depois, a Bates
apresentou a campanha num festival de publicidade e foi premiada.
Eu prefiro o terceiro. Tanto quanto sei,
nenhum leitor comeu ou inalou o pó de talco que distribuímos desmioladamente
com a nossa edição de Novembro de 2002. Em princípio, o ataque não provocou
baixas – só na nossa auto-estima.
Feliz aniversário, National Geographic
Portugal!
Com Sérgio Coimbra, José Séneca, Vasco Nuno
Martins, Paulo Farinha, Henrique Caetano, Sónia Gomes da Costa, Luís Taklim
(Anyforms), Paulo Rolão, Nuno Sousa, Helena Abreu, Patrícia Albuquerque, Teresa
Vera Magalhães, Serginy Costa, Nuno Correia, Luís Quinta, Alexandre Vaz,
Fernando Correia, Paulo Ferreira, Pedro Araújo e Sá, Luís Ferreira, Inês
Picciochi e tantos mais…
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