Portugal, em 1967, apreciado pelo Diário
Popular. Nas boutiques, aparecem, como cogumelos, as novas mini-saias; na água,
uma nova modalidade emerge, o surf, protagonizada por pioneiros como Vasco
Pinto Basto.
sexta-feira, junho 20, 2014
quinta-feira, junho 19, 2014
Vândalos à vista. Redes sociais, o Coliseu de Roma e os parques naturais
Caminho no interior de um parque natural
através de um trilho velho, mas transitável. Ali perto, a poucas centenas de
metros, as primeiras habitações do concelho de Palmela certificam que o Parque
Natural da Arrábida é uma das áreas protegidas portuguesas com maior densidade
populacional humana. Este mesmo trilho é amplamente percorrido por ciclistas e
caminhantes durante os fins-de-semana, mesmo que poucos saibam que a poucos
passos dali se esconde um sítio arqueológico de importância nacional. Já me
habituei ao lixo espalhado pela paisagem, semeado a eito... Embalagens, vidros,
papel, dejectos... Tudo serve para deitar no balde do lixo da natureza.
Aproximo-me do sítio arqueológico que vim
conhecer. Olho em redor, à procura de referências. Alguns muretes sugerem uma
ruína, mas não existe informação visível. Procuro com mais afinco. Tenho bem
presente na memória o amplo debate sobre as verbas que o Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas dedicou à comunicação, através da
revitalização e afixação de painéis informativos e sinalética. O Ministério do
Ambiente agrega estas despesas em rubricas mais complexas, o que impossibilita
o conhecimento do valor concreto gasto, mas uma fonte do ICNF não tem dúvidas
em confirmar que, na última vaga, foi investido mais de um milhão de euros.
Não há nada de pé, mas isso não significa
que o dinheiro se tenha esfumado. Na verdade, os painéis existiram. Neste caso,
o painel foi metodicamente pontapeado para fora da sua estrutura de madeira.
Uma vez removido dos suportes, foi partido em pedaços e depois exposto no solo,
em jeito de puzzle. Ficou ali como despojo de uma guerra surda entre as áreas
protegidas e os seus visitantes.
Deparo com o mesmo cenário em Ourém.
Semanas antes, tinha-o visto também no Paul do Boquílobo, num ponto do parque
natural que considerara ingenuamente demasiado remoto para ser notado.
Intriga-me a redundância. A violência contra a sinalética. O vandalismo
gratuito, que tanto se expressa na destruição de painéis como na profanação de
vegetação ou lajes com graffiti e outro lixo.
No Verão passado, a mesma discussão
atravessou os Estados Unidos de lés a lés. O “New York Times”
(aqui) detectou rabiscos pintados nos frágeis
saguaros que deram nome ao famoso Parque Nacional do oeste americano; trilhos
pintados; inscrições em desfiladeiros; pinturas rupestres grosseiramente
manipuladas. No total, o Serviço Nacional de Parques estimava que 9.000 sítios
de interesse histórico ou natural tinham sido deliberadamente danificados desde
2009, incluindo o icónico Memorial a Lincoln em Washington.
Os vigilantes da natureza escutados pelo
jornal deram um contributo para a discussão, lembrando que, na era anterior à
Internet, sempre existiram actos deste género, mas eles circunscreviam-se à
geografia do local. Só eram visíveis quando o visitante seguinte chegasse ao
local. E são tão antigos como a espécie humana. Numa investigação divulgada
pela National Geographic em Dezembro do ano passado,
detectou-se que alguns rabiscos nas paredes do Coliseu de Roma tinham dois mil
anos. Tal como John e Vanda professam hoje o seu amor gravando ali um coração,
também Iulius Maximus lá quis deixar uma inscrição no século I d.C.
Hoje, porém, com a proliferação das redes
sociais, o vandalismo ganha asas... geográficas. Um rabisco num saguaro remoto
torna-se a pena no chapéu dos vândalos de trazer por casa, que afixam a proeza
e recebem gratificação imediata. Poderá ser esse o factor que despoleta a
explosão destas manifestações?
Lapa de Santa Margarida. Fotografia de Paulo Rolão. |
Não existem dados suficientes para ligar
os dois fenómenos e manifestações tão amplas não costumam ter causas tão
redutoras. Num livro recente (“The Destruction of Art: Iconoclasm and Vandalism
Since the French Revolution”, 2013) Dario Gamboni lista dezenas de incidentes
gratuitos de destruição de expressões artísticas, desde o homem que destruiu a
martelo o famoso vaso Portland (já lembrado aqui), ao doente que atirou ácido contra o quadro de
Rembrandt ou ao turista que destruiu um dedo da estátua do David de Miguel
Ângelo em 1991. O historiador argumenta que a maior parte dos incidentes foi, à
época, construído como um acto lunático e demente, mas serviu diferentes
causas, desde o protesto contra determinada corrente artística à expressão de
raiva em público para chamar atenção para outras causas. E afinal a inscrição
de Iulius Maximus foi seguramente entendida no século I como um acto de
profanação e hoje constitui uma curiosidade histórica.
Gostava de ter respostas mais categóricas
para os “meus” painéis tombados. Tenho sérias dúvidas de que eles não sejam
muito diferentes dos rabiscos nos saguaros frágeis. Ou nas carruagens de metro
das cidades. Ou nas paredes do velho Coliseu. São manifestações de vaidade e
egoísmo, tiques de agentes sociais que precisam desesperadamente de sublinhar o
seu carácter especial face ao resto da multidão. De alguma forma, marcam uma
época – a nossa. Mas não com o cunho pretendido pelos seus autores.
terça-feira, junho 10, 2014
A edição ingrata e o talento do António
Por vezes, baralhamos mil vezes a galeria de fotografias disponíveis na
esperança de que, à décima passagem, algo tenha escapado – a imagem improvável
que vai salvar a reportagem, vai manter a reputação da revista, vai atrair o
leitor para as nossas páginas e motivá-lo a recordar-se da reportagem para sempre. No
processo, amaldiçoamos silenciosamente os homens do campo, os fulanos que saem
para a rua de máquina na mão para congelar o tema da reportagem num instantâneo
revelador. “Porque não deu um passo mais para a frente?”; “Porque não recuou?”;
“Porque não tentou outra posição, outra lente, outra iluminação?”. No conforto
da redacção, longe dos imponderáveis do campo, todas as fotografias mágicas
parecem possíveis.
Pontualmente, porém, sucede o contrário. À primeira passagem da galeria
de imagens, emergem possibilidades fantásticas de ilustração. Uma, duas, três
fotografias captam tudo o que queríamos contar. Dispensam legendas e
explicações. São metonímias perfeitas da história que decidimos relatar no
momento já distante em que a ideia original brotou. Lembro-me sempre nestes
momentos do que escreveu a controversa escritora Anaïs Nin que, para mal dos
seus pecados, herdou um nome próprio infeliz e uma tendência incontrolável para
redigir diários íntimos. «Tudo nasce do excesso. A grande arte nasceu do grande
terror, das grandes inibições, das grandes instabilidades – forma com eles o
equilíbrio indispensável.» [cito de memória]· É, pois, de excesso, de
abundância que falamos agora.
Há alguns meses, o António Luís Campos propôs-nos uma história
formidável. Graças à extraordinária cooperação de António Candeias, do
Laboratório de Conservação e Restauro José de Figueiredo, e dos conservadores-restauradores Miguel Mateus e
Teresa Reis,
tínhamos acesso ao trabalho de investigação desta equipa em torno das
representações pintadas de Afonso de Albuquerque, segundo vice-rei português na
Índia. Não quero estragar a leitura a ninguém [disponível aqui, já agora], mas
a obra foi socialmente construída e reconstruída sucessivamente desde o século
XVI, ao sabor da ideologia de cada época e dos preconceitos dos seus agentes.
No léxico de um editor, a história tinha todos os ingredientes: uma figura
histórica, um mistério, ciência de ponta, espiões, uma invasão e um quadro que
ora tinha barbas brancas, ora as perdia por soberba de um político.
Como sempre acontece nesta casa, debatemos intensamente as possibilidades
visuais. As reportagens de laboratório são terríveis. No ambiente descontaminado
das pipetas e bicos de bunsen, das paredes brancas e microscópios, todas as
fotografias parecem iguais. Com a malícia que lhe é característica, o António
assegurou que traria fotografias diferentes. E, na verdade, mostrou-se fiel à
palavra dada.
Voltamos aos excessos da Anaïs Nin. Logo à primeira passagem da galeria
de imagens disponíveis, saltaram à vista estas duas extraordinárias
representações de tudo o que queríamos dizer. Em duas composições, o António
mostrava o quadro que chegara a Lisboa em 1953 já repintado por Gomes da Costa
na Índia com amplas liberdades criativas, o quadro que a equipa de João Couto
descobrira com exames radiológicos no MNAA e indícios da pintura original que
lhes estava subjacente.
Tivemos de optar – espero que bem. Ficou na maqueta a imagem enigmática
com todas as representações conhecidas penduradas numa parede de luz, enquanto
Miguel Mateus anotava diligentemente os contratempos sofridos pela obra; ficou
pelo caminho a imagem tecnológica, captada com um iPad, expressando igualmente
as diferentes fases do desenho de Afonso de Albuquerque (que até pode não ser o
próprio, pois essa averiguação deverá agora ter lugar na Galeria dos Vice-Reis em
Goa).
Por sobreposição de compromissos, não vou poder participar na palestra do
António Luís Campos no Porto, no próximo dia 12, na Reitoria da Universidade.
Celebram-se ali dez anos (quase 11) de colaboração do António com a edição
portuguesa da National Geographic, o que vale por dizer que são dez anos de
dilemas como este. De escolhas entre o bom e o óptimo. De materiais estupendos
por vezes excluídos somente para evitar redundâncias no nosso processo de story-telling.
Tem-se falado muito em selecções nacionais durante estes dias de
antecipação do Mundial. O António estará seguramente na minha selecção nacional
dos melhores.
Era isto que eu diria na 5.ª feira, na Reitoria da Universidade do Porto, se tivesse oportunidade.
Era isto que eu diria na 5.ª feira, na Reitoria da Universidade do Porto, se tivesse oportunidade.
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