Há muito que Mário Matos e Lemos se dedica à recuperação da memória da imprensa portuguesa do século XX. Em 2006, publicou o monumental Jornais Diários Portugueses do Século XX: Um Dicionário (Ariadne Editora), uma obra rapidamente esgotada que inventariou os acervos das principais bibliotecas portuguesas, identificando a longa necrologia do jornalismo impresso do país. Em mais de seiscentas páginas, o autor produziu então um dos volumes mais úteis deste campo de investigação, um verdadeiro tira-teimas de nomes e títulos que construíram o edifício precário da letra de forma do país. Tornou-se, sem favores, a obra de referência da história do jornalismo nacional.
Década e meia volvida e acedendo a múltiplos pedidos de investigadores e estudantes, o autor e a Imprensa da Universidade de Coimbra publicaram, no final de 2020, uma versão revista e aumentada do trabalho tabelional então encetado. Na nota introdutória, o historiador Luís Reis Torgal saúda o autor «que tem feito da História uma ciência objectiva – e não uma história ideológica ou uma ideologia historiográfica – que dá prioridade à difícil análise de documentos de todo o tipo». Prossegue também com um desafio à nova geração de investigadores desta área, incitando-a a ampliar o trabalho documental já produzido, prolongando-o temporalmente para as duas primeiras décadas do século XXI e conferindo mais continuidade aos raros títulos da imprensa nacional e regional cuja história se expressa em três séculos e que, por natureza, fica espartilhada num volume desta natureza.
Além de passar a pente fino todos os periódicos deste período, corrigindo pequenas gralhas do volume anterior, Mário Matos e Lemos levou o esforço para um novo patamar, abrangendo agora mais sete títulos negligenciados em 2006 e alargando a busca de colecções de jornais das quatro bibliotecas iniciais (a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a Biblioteca Municipal de Coimbra, a Biblioteca Nacional e a Biblioteca Pública da Universidade do Porto) a uma quinta instituição (a Hemeroteca Municipal de Lisboa).
As colecções de jornais estão, na maior parte destes acervos, em estado deplorável e muitos títulos já não sobem sequer às salas de leitura geral dado o risco de deterioração definitiva dos jornais. O impulso de digitalização da década de 1990 esfumou-se. Esta obra, além das suas inquestionáveis virtudes, tem ainda o condão de servir de lembrete (porventura o último) para a necessidade urgente de restaurar colecções, digitalizar materiais e sacudir a poeira que caiu sobre a produção jornalística. O Brasil, país de múltiplas virtudes e defeitos, leva-nos vinte anos de avanço ao abrigo do seu projecto de Memória dos Jornais. Quando começaremos a olhar para as nossas bibliotecas de papel?