Afixo em baixo uma carta enviada ao "Público" em Abril deste ano e publicada na secção "Tribuna do Leitor". Pela manifesta actualidade do texto 180 dias depois, julgo que a Câmara Municipal de Sesimbra merece que o mesmo seja novamente tornado público.
«Esgotos em Sesimbra
Tenho casa em Casais de Sampaio, concelho de Sesimbra, desde 1992, mas estou recenseado na capital. Menciono-o porque esse estatuto condiciona fortemente a compreensão do resto da narrativa. É que isso faz de mim eleitor em Lisboa e não em Sesimbra. Para a CM Sesimbra, isso significa tristemente que sou um cidadão de segunda. Estou para este município como aqueles parentes inconvenientes que não queremos que apareçam no churrasco, porque convidámos o chefe.
Quando o meu pai comprou a casa, há 15 anos, procedeu à análise de todos os factores que poderiam condicionar a habitação. Meticuloso por (de)formação profissional, estudou a localização, a exposição ao Sol, as condições estruturais da moradia e pesou o facto de esta estar integrada no Parque Natural da Arrábida (PNA). No processo, deu conta, evidentemente, de uma linha de água, que corria paralelamente a toda a urbanização, mas estava longe de supor que a dita linha de água se transformaria num caudal promissor de esgotos a céu aberto. Na altura, foi-lhe dito pelos serviços municipais que a situação seria absolutamente provisória. O meu pai, caro leitor, é engenheiro e, portanto, pouco versado nas subtilezas da geologia. Desconhecia então que o tempo em Sesimbra se mede pelos patamares dos paleontólogos: a CM Sesimbra queria dizer que no final da era quaternária é bem possível que o canal esteja tratado. Mas sem promessas rígidas.
Quinze anos decorreram, e posso afiançar que uma das coisas boas de ter um esgoto a céu aberto na vizinhança é o facto de ele permitir travar novos conhecimentos. Conhecemos vários vereadores municipais. Três presidentes da câmara. Muitos, muitos funcionários. O esgoto, esse, já faz parte da família. Tenho familiares que juram a pés juntos que já não conseguiriam almoçar em paz sem o ligeiro odor que a vala emana.
Nem tudo nesta história é negativo. Estão agendadas para este ano as comemorações dos 10 anos da primeira contagem de colónias coliformes realizada a pedido dos moradores. Apurámos, na altura, que a contagem de colónias coliformes era de 180x105 /ml (média de quatro ensaios independentes). Como imagino que as colónias de coliformes não são como o vinho do Porto, pelo que não melhorarão com a idade, julgo que posso depreender que continuam a correr, na vala, esgotos sem tratamento. É verdade que os coliformes fecais fazem muita companhia, mas estará talvez na altura de nos despedirmos destes vizinhos.
Consultei recentemente o novo Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida. Queria confirmar que, na listagem de espécies desta área protegida, constavam animais com as quais privo regularmente e que, com grande pena minha, certamente não visitam as traseiras da casa do senhor presidente da câmara. Infelizmente, por incúria do Parque, a varejeira-azul (Calliphora vomitoria) e a ratazana-negra (Rattus norvegicus) não constam ainda do inventário de fauna da Arrábida. Parecendo que não, são organismos que dão muito encanto a uma moradia.
Já vou nos meus trintas. O meu pai vai nos sessentas. Concordámos recentemente que o meu filho, ainda bebé, terá de manter uma forma física e intelectual invejável para agarrar no testemunho daqui a algumas décadas e manter viva a batalha do esgoto da Arrábida. É que, em Sesimbra, embora o presidente da Câmara se chame Pólvora, faltarão ainda longas temporadas até os serviços municipais desenvolverem a ideia… explosiva de desenvolver um saneamento eficaz.»
terça-feira, outubro 30, 2007
terça-feira, outubro 02, 2007
Pouca vergonha
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