Talvez o Público não desconfie, mas está a pagar a mesma crónica de Vasco Pulido Valente (VPV) há mais de uma década. Que, por sua vez, é a mesma crónica que o autor escrevia para o Diário de Notícias. E que, por incrível coincidência, foi em tempos publicada em O Independente pelo mesmo autor.
Para poupar despesas à SONAE, apresento-me como
voluntário para que o jornal possa construir a sua crónica de VPV sem
necessitar de VPV, o que, convenhamos, dá muito menos maçada.
Passo 1 — escolhe-se um tópico, sempre genérico, para
não implicar pesquisa. Como qualquer estudante lhe poderá afiançar, a pesquisa
é enfadonha e indigna e a recolha de dados é tarefa para gente menor. Se o
diabo está nos detalhes, VPV foge-lhe – ao diabo e aos detalhes – com o virtuosismo
de um doutorado em Oxford
Passo 2 – estabelece-se à partida o momento em que o
tópico (o Estado social, o socialismo, as obras públicas, o PCP — riscar o que interessa) descambou. Por
incrível coincidência, qualquer tópico descamba sempre no século XIX,
circunstância feliz pois poupa muita reflexão. Não deixa de ser curioso que,
embora todo o mundo para lá de VPV seja obviamente dogmático, VPV retribua com
a publicação sistemática do mesmo dogma.
Passo 3 — define-se um protagonista (Olof Palme, Mário
Soares, Duarte Pacheco, Álvaro Cunhal — riscar
o que não interessa) ao qual se aponta o dedo pela sua “ingénua ignorância”
(hipótese a) ou pela “ignorância
ingénua” (hipótese b) na gestão do
dito tópico. É importante não cair no erro de apresentar factos. Todas estas
alegações são feitas com a despreocupação de quem não tem dúvidas. Um doutorado
em Oxford nunca tem dúvidas.
Passo 4 — tudo, repito, tudo está relacionado com os
investimentos em obras públicas de Fontes Pereira de Melo, feitos com dinheiro
emprestado, que nos valeram “três décadas de pastoreio despreocupado” até “obviamente
nos apresentarem a conta”. O verbo pastorear
deve ser utilizado pelo menos uma vez por crónica. Se possível, associado a
criatura e desmiolados.
No pensamento de VPV, ora são as criaturas que pastoreiam os desmiolados,
ora são os desmiolados que pastoreiam as criaturas.
Passo 5 — o indigenato. VPV fez mais pela causa
indígena do que a FUNAI no Brasil. Todos os problemas portugueses justificam-se
pelas características do indígena nacional, ocioso, ingénuo e dado a
esquentamentos revolucionários. Escusado será dizer que o indígena não
frequentou Oxford.
Passo 6 — o parágrafo final deve sublinhar, como os
adventistas do sétimo dia, que o fim está próximo. Se possível, com a
arrogância de quem sempre o soube. São muito úteis muletas como “como não
poderia deixar de ser”, “qualquer pessoa que não tenha estudado nas escolas
indígenas adivinha” ou “a tonta cabeça do Dr. (inserir nome) não lhe permite ver que isto vai acabar mal”.
E é isto! Experimente em casa com amigos e em breve
publicará também as suas crónicas de Vasco Pulido Valente num divertido jogo interactivo.
Se tiver mesmo sorte, o engenheiro Belmiro paga-lhe uma avença.