Fotografia de Luís Ferreira. Selvagens, Madeira. |
Há uma dimensão poética nas missões
solitárias como aquela a que o fotógrafo Luís Ferreira se dedica nos últimos
cinco anos, tanto mais que ela foi abraçada sem qualquer garantia de publicação
futura. Como nos filmes de aventuras, o Luís atirou-se primeiro para o vazio,
na esperança de que, do lado de lá, existisse algum ponto de apoio. E existia.
Durante cinco anos, sempre que pôde, o
fotógrafo trabalhou na maioria dos ilhéus e ilhas mais remotos do território
português. Não haverá aliás muitos indivíduos que possam, como ele, gabar-se de
já terem pisado as Desertas e as Selvagens, as Berlengas, o Corvo e o ilhéu de Vila Franca do Campo, bem como as maiores ilhas dos arquipélagos dos Açores e Madeira. Nada,
no projecto, tinha dimensão turística ou idílica – como um pisteiro, o Luís
perseguia uma ideia e não uma paisagem.
Publicamos, na edição de Agosto da
revista, uma amostra reduzida do seu extraordinário trabalho fotográfico com as
cagarras, uma das poucas aves que nidifica nos Açores, na Madeira e em Portugal
Continental (se fizermos o jeitinho
de considerarmos as Berlengas neste lote).
A cagarra não é um objecto de trabalho
fácil, apesar de razoavelmente abundante nos contextos insulares. Os seus
hábitos nocturnos dificultam a vida de quem precisa da luz como de pão para a
boca. A exuberância dos seus comportamentos expressa-se sobretudo lá longe, no
oceano, onde nenhum humano consegue acompanhar a extraordinária obstinação
migratória da ave. E os comportamentos mais raros – aqueles que foram vistos
por escassos peritos – têm lugar em curtos intervalos de tempo durante o ano.
Para enfrentar esta montanha de
adversidades, o Luís contou com o apoio precioso da Sociedade Portuguesa para o
Estudo das Aves (SPEA), à qual a revista fica a dever mais um gentileza entre
muitas outras. Os biólogos da SPEA concederam acesso total às suas operações,
assim o Luís conseguisse acertar o seu relógio biológico pelo dos
especialistas, que visitam ninhos à noite e fazem três rondas durante ciclos de 24 horas
para pesagens e medições.
O resultado do projecto – ou melhor, uma
amostra do projecto – pode ser consultado na edição de Agosto da National
Geographic. Algumas das fotografias registam momentos que até à data ainda não
tinham sido captados nesta espécie. A ciência, produzida pela SPEA em mais de uma década de trabalho com as áreas importantes para as aves no Atlântico Norte, é entusiasmante. E fica entretanto prometido um livro,
co-assinado pelo Luís Ferreira e pelo Pedro Geraldes, onde toda a diversidade
fotográfica captada em cinco anos no campo pode ser apreciada.
Com frequência, chegam à redacção da
revista propostas ousadas de aventureiros dispostos a explorar os confins mais
distantes do globo para relatar a história das suas vidas. O projecto
fotográfico do Luís Ferreira acaba por sublinhar uma dimensão omnipresente
naquilo que fazemos, enunciada em 1888 pelos fundadores da National Geographic
Society: interessa-nos o mundo e tudo o que ele contém.
Com frequência, a história de uma vida
pode estar mesmo ao virar da esquina. Basta encontrar uma narrativa que os outros queiram ouvir.