sexta-feira, setembro 27, 2013
Urbano, Nasser e o Cairo em 1956
CRÓNICA REMOVIDA. TEXTO INTEGRAL INCLUÍDO EM PAREM AS MÁQUINAS!, 2015, EDIÇÕES PARSIFAL.
sábado, setembro 21, 2013
Inimigo Público
Do "Inimigo Público", de 20 de Setembro de 2013, uma súmula da nossa identidade confusa nestes anos conturbados de intervenção estrangeira e perda de soberania. Por Mário Botequilha, o maior entre os maiores humoristas do IP, um belo resumo do que nos passa pela cabeça durante um dia.
quinta-feira, setembro 19, 2013
Lendo o jornal
"Lendo o jornal",
José Malhoa, óleo sobre tela, 1905.
Museu José Malhoa, Caldas da
Rainha.
Gosto muito desta pintura e do
jogo de luzes entre o interior (talvez uma barbearia) e o exterior. Gosto também
deste acto cada vez mais raro de desfrutar da leitura de um jornal.
Como muito bem disse o Nuno Ramos de Almeida no jornal I:
quarta-feira, setembro 18, 2013
O insulto principal
«Os economistas são talvez imprescindíveis. Cabe-lhes manusear as
matérias mais porcas que as sociedades imemorialmente geram: o dinheiro e a
usura. Aflige-me é que possam, com as mãos sujas dos dejectos do corpo social,
aproximar-se da alma e do espírito das sociedades e contaminá-las com a sua
ciência e a sua linguagem de escravos. (…) Têm certamente lugar; intolerável é
que lhes permitamos que usurpem o lugar dos poetas e dos guerreiros e que os
ostentem por aí, sem escândalo, nos discursos e na lapela.», Manuel António
Pina, jornalista, escritor e poeta, “Jornal de Notícias", 29/01/1992
O
Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou ontem um relatório de reavaliação
dos programas de resposta à crise financeira de 2008-09 (aqui),
com inevitáveis consequências para a análise das medidas impostas desde o
resgate de Abril de 2011 à República Portuguesa. Trata-se de um relatório
invulgarmente franco, que reconhece limites à abordagem implantada em países
como Portugal e a Grécia, suportada numa rápida reconfiguração orçamental nos
primeiros meses do resgate (i), na aposta evidente na consolidação orçamental
pelo lado da despesa (ii), na compra de dívida pública pelos bancos centrais
(iii) e na famosa busca quimérica da recuperação da confiança como motor da
recuperação (iv). Não entrarei nos detalhes do relatório, nem no debate
sobre a oportunidade da sua publicação na véspera de nova "visita"
dos controleiros internacionais – para esse debate, há seguramente fóruns mais
apropriados na Internet.
Interessa-me,
ao invés, sublinhar esta cultura, muito americana, de reconhecimento público do
erro e de admissão inequívoca das responsabilidades. Dir-me-ão que é a
hipocrisia suprema, face aos estragos já provocados – será. Mas, olhando para o
nosso quintal pantanoso, feito de casos de polícia, de irresponsabilidade moral
e de incompetência cavalar, admitamos alguma inveja.
Por
cá, se a impunidade que resulta da gestão danosa ou incompetente é insultuosa,
a incapacidade generalizada para esboçar um pedido público de desculpa ou
assumir um grão de responsabilidade pelo gigantesco descarrilamento da economia
é porventura o insulto mais vexatório. José Diogo Quintela brincou há alguns
anos com esta atitude tão portuguesa de assobiar para o lado enquanto se
procuram responsáveis, dizendo que este é o país onde a culpa é sempre “um
bocadinho de todos, todos temos um pedacinho de culpa”.
Ora, quando todos têm culpa, a culpa não é de ninguém. Ninguém falseou
contas. Ninguém burlou o Estado. Ninguém falhou auditorias. Ninguém assinou de
cruz contratos irresponsáveis de financiamento.
Ninguém.
Ninguém.
sábado, setembro 14, 2013
O papa português ou a brincadeira que envergonhou França Borges
CRÓNICA REMOVIDA. TEXTO INTEGRAL INCLUÍDO EM PAREM AS MÁQUINAS!, 2015, EDIÇÕES PARSIFAL.
terça-feira, setembro 03, 2013
Os jornais de chuteiras nos anos trinta
Arquivo fotográfico do Jornal "O Século", ANTT http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=1019553 |
Aproxima-se um
jogo decisivo da selecção nacional. Noutros estabelecimentos, vai ler todo o
tipo de prognósticos sobre as probabilidades de vitória, a influência do clima,
o espírito guerreiro dos matarruanos de
Belfast, a influência da sorte ou as previsões do bruxo de Fafe. Aqui,
proponho-lhe outro exercício – um esforço de imaginação.
(Não lhe peço
para fechar os olhos porque, convenhamos, seria estúpido e perderia o resto do
texto!) Mas venha comigo à década de 1930.
Os jornais,
colossos de receitas e de circulação, começam aos poucos a ser minados pela
rádio, mais democrática, que chega a qualquer lar e não requer literacia
nem a compra de qualquer edição. É gratuita e o seu charme espalha-se por
milhares de casas portuguesas como um vírus contagioso.
Em Lisboa e no
Porto, os grandes jornais procuram respostas. O futebol é a solução óbvia, pois cativa milhões de pessoas. A selecção dá os primeiros passos. Começou a
disputar jogos em 1921. Aliás, perde-os regularmente e com estrondo, para
grande espanto da nação. A alma portuguesa, a raça dos Cabrais, as ínclitas
gerações não resistem à passagem da fronteira. Mas pouco importa. Para os
jornais, a selecção é a pátria de chuteiras, na feliz expressão de Nelson
Rodrigues.
De acordo com "Jornais Diários Portugueses do Século XX", de Mário Matos e Lemos (2006), em 1928, no
espaço de poucas semanas, o “Diário de Notícias” e “O Século” inventam um novo
serviço prestado aos leitores (os marketing wizzs chamar-lhe-iam uma diversificação de plataformas).
Olhe novamente para a imagem no início deste texto. Data de 1936 e parece mais
um ajuntamento no Rossio, em Lisboa, palco de mil manifestações e protestos no
início do século. A multidão comprime-se. Os carros circulam com dificuldade.
Os eléctricos sufocam face à massa compacta. O mar de chapéus de coco não
avança nem recua. Na verdade, todos aqueles homens (desafio-o a encontrar uma
senhora na imagem) estão parados, imóveis, em sobressalto. A selecção joga com a Áustria e a sucursal de “O Século” transmite o jogo por altifalante, com base
nos despachos emitidos pelo seu repórter no Estádio do Lima, no Porto, que os
passa a um rapaz-estafeta que, por sua vez, corre até ao posto telefónico mais
próximo e informa os colegas de Lisboa.
Mais acima, na
Avenida da Liberdade, há outra multidão, presa às mesmas notícias, mas emitidas de outra forma pelo DN. Mais moderno, este instalou um placard eléctrico na fachada do jornal, com mais de mil lâmpadas, que acendem e apagam consoante as incidências do jogo. Para anunciar as peripécias da bola, o
jornal acciona as lâmpadas e a multidão entra em transe, à espera da mensagem escrita que virá
de seguida. Um golo? Uma lesão? Informação do intervalo ou do fim do jogo? As
notícias de época descrevem comoções. Desmaios. Desfalecimentos. Não é para
menos.
Portugal volta a perder um jogo, desta vez por 2-3.
Portugal volta a perder um jogo, desta vez por 2-3.
PAULO BENTO
Prometi-lhe um
exercício de imaginação, que não ficou esquecido. Avançamos dois anos, até
1938.
Portugal já
perdeu com a selecção suíça em Maio por 2-1, mas a esperança futebolística é
como a minha fé na roleta: renova-se todas as semanas. Há novo desafio marcado para
Lausannne. Vão Azevedo, Pinga, Peyroteo e Gaspar Pinto. Os melhores dos
melhores. A flor de uma geração. Desta vez, é que será.
Pujante, “O
Século”, que “dá ao desporto o mais desinteressado apoio”, preparou nova
novidade, antecipando o advento da televisão. O jornal de João Pereira da Rosa
encomendou ao conhecido “operador Leandri, técnico de grande visão”, a filmagem
do jogo. Leandri tem apenas uma câmara, num ponto fixo distante do relvado,
mas o episódio marca a emergência da imagem animada no nosso quotidiano
desportivo. E o jornal contratou o melhor, o homem que filmou os astros
brasileiros no Campeonato do Mundo de 1934.
"O Século", 08/11/1938 (a partir de microfilme da Biblioteca Nacional) |
No entanto, as
imagens demoram mais de dois dias a chegar da Suíça. Vêm no mesmo hidro-avião
das fotografias que o jornal usou no dia 8 de Novembro para ilustrar a crónica.
Durante a partida, repete-se a rotina. O Rossio lotado. O mar de chapéus e
gabardinas, alheios à chuva, presos ao único altifalante da praça, que
transmite secamente informação de quinze em quinze minutos. A dada altura, a
multidão imobiliza-se. Ecoa um som de estática no altifalante, prenúncio de
novidade. Uma voz seca, impessoal, neutra, rompe o silêncio.
“.... Informação
de Lausanne.... 48 minutos.... Golo da Suíça.....”
Minutos depois
do acontecimento propriamente dito, lá, bem longe, nas montanhas helvéticas, as
palavras gelam milhares de portugueses no Rossio e na Constituição. Até final,
por mais preces que sejam lançadas contra o aparelho metálico, não chega a
informação salvadora. Toda aquele gente seguirá para casa, amorfa, murcha. Para
a próxima é que será.
Agora, imagine o
nosso seleccionador. Pense em Paulo Bento, cansado da refrega, do combate
táctico, do esforço de orientar 11 jogadores na batalha atlética com a Irlanda
do Norte. Neste ano de 1938, o antecessor de Paulo Bento chama-se Cândido de
Oliveira e tem duas missões que começam exactamente no momento em que o árbitro
sinaliza o fim do jogo.
Primeiro, por
artes mágicas, Cândido de Oliveira terá de se esquecer que foi ele quem treinou
a selecção, pois cabe-lhe ditar a crónica para “O Século” na qualidade de
enviado-especial. Fá-lo certamente com o coração a sangrar. A ladainha, essa, é
intemporal:
“Portugal perdeu
apenas por 1 a 0.”
“Este resultado
pode ser considerado honroso para a equipa portuguesa, que deu uma réplica
enérgica e briosa.”
“O ponto helvético
foi obtido quando o nosso grupo tinha apenas dez homens em campo.”
“Os suíços
actuaram no seu próprio campo e perante 30.000 compatriotas. Há sua diferença!”
"O Século", 07/11/1938 (a partir de microfilme da Biblioteca Nacional) |
O jornal
reserva-lhe, porém, ainda outro serviço. Já em Lisboa, com as imagens de
Leandri, Cândido de Oliveira desempenha nova função. “O Século” manda-o para o
São Luís e para o Central, em Lisboa, e depois para o São João Cine, no Porto,
onde o seleccionador exibe o documentário em salas de cinema e comenta as
incidências do jogo, graças à distribuição da Sonoro Filmes, “casa de justo e
sólido prestígio”. Suporta então estoicamente os comentários do público
anónimo, que ali foi ver as imagens animadas. Ouve as perguntas. As dúvidas. As
recriminações. Num rigoroso exclusivo para Portugal e Colónias.
Agora, imagine
Paulo Bento no mesmo papel.
segunda-feira, setembro 02, 2013
Maroiços, aborígenes, a LUSA e o Expresso
Warren
Burkett, um dos grandes teorizadores sobre a relação entre a ciência e o
jornalismo, costumava contar uma anedota.
Um
velho professor de Química lecciona uma aula quando, a dada altura, é
interrompido pelos gritos eufóricos de um estudante.
Sem
se conter, o aspirante a cientista entra na sala e grita, rubro de emoção:
-
Eureka! Descobri um novo solvente. É o solvente mais potente do mundo! Consegue
dissolver qualquer material. Plástico. Vidro. Barro. Tudo.
Impassível
e calejado por “mil” descobertas, o professor responde secamente:
-
Queira por favor explicar aos seus
colegas em que recipiente vai guardar a sua descoberta.
A
ciência tem protocolos bem definidos para produzir respostas que são, por
natureza, efémeras e válidas até alguém provar a sua obsolescência. Em 1900,
numa reunião da Associação Britânica para o Avanço da Ciência, Lorde Kelvin
argumentou, pesaroso, que, em Física, já nada mais haveria a descobrir. Cinco
anos mais tarde, um alemão naturalizado suíço, que passava os dias frustrado num
gabinete de patentes, apresentou a Teoria da Relatividade e destruiu as
balizas que delimitavam a Física.
Notem, portanto, que não nego a possibilidade de um achado científico produzir
ruptura total com o conhecimento disponível. Simplesmente, ela não sucede com
frequência. E, normalmente, os Einsteins da ciência
publicam as suas descobertas em revistas científicas, sob supervisão dos pares.
O New England Journal of Medicine criou inclusivamente a regra Ingelfinger,
através da qual perde interesse em publicar artigos que tenham sido
apresentados aos media antes da submissão dos pares.
Consideremos,
pois, mau sinal quando um cientista prefere convocar os meios de comunicação
para anunciar revelações antes de publicar o seu contributo.
OS
PRÉ-PORTUGUESES DOS AÇORES
No
dia 24 de Agosto, a agência Lusa emitiu um despacho lamentável. Seguia as
regras elementares da atribuição de informação às fontes e era fiel ao
comunicado de imprensa que o motivou, mas isso, terão paciência, não chega
quando está em causa um anúncio bombástico de uma descoberta científica.
A
Associação Portuguesa de Investigação Arqueológica (APIA) foi fundada em 1998.
Tem arqueólogos como colaboradores e tem todo o direito a colaborar no debate
científico sobre o povoamento dos Açores. Assiste-lhe igualmente o direito de
propor as teses radicais que considerar pertinentes e de chamar a imprensa para
o debate. Cumpre a sua agenda e segue uma estratégia óbvia de antecipação da
aceitação jornalística ao reconhecimento científico, preferencialmente com
anúncios sexy, de evidente apelo aos sentidos (o
grupo de Friedman chamar-lhes-ia as abordagens Ghee whiz!).
A
Lusa, porém, não pode aceitar de ânimo leve que teses apoiadas em quinhentos
anos de historiografia sejam contestadas de forma tão leviana e sem
contraditório, por um parceiro sem historial conhecido. Que eu tenha
conhecimento, a APIA não publicou, em revista científica reconhecida, com
revisão de pares, nenhuma das alegações que tem vindo a fazer desde 2010 nos
Açores. Publica livros, mas estes não são submetidos ao crivo da academia.
Participa em conferências, mas a oportunidade de contraditório destes eventos
depende sempre da audiência. Por outras palavras, até prova em contrário, não
faz ciência.
Não
basta por isso à Lusa seguir o manual do despacho sobre política, citando o
comunicado de imprensa do partido X. Se vê noticiabilidade no argumentário da
APIA (povoamentos pré-portugueses provados pelos
maroiços da ilha do Pico), está obrigada, no mesmo despacho, a incluir
pontos de vistas que dele discordem.
Faço
questão de ressalvar que a discussão é jornalística, não é arqueológica.
BOLA
DE NEVE
É
evidente que os constrangimentos jornalísticos apressam o processo de
verificação da informação. Em nome do “furo”, ignoram-se fases de validação.
Colocam-se na rede informações incompletas, por vezes erradas, com o argumento
de que podem sempre ser corrigidas. Sei disso tudo. Também sei que, nos livros
de estilo que vamos compondo nas nossas redacções, as personalidades de
reconhecida capacidade técnica dispensam as mesmas verificações rigorosas das
fontes sem capital simbólico. Não se questiona abertamente José Mattoso se ele
apresentar uma nova tese sobre a Idade Média, nem Galopim de Carvalho num texto
que redefina a geologia sedimentar. Admite-se, como princípio operacional, que
uma carreira cimentada em mérito académico reduz (mas não impede) o risco de
publicar disparates. Mas a APIA não é Mattoso, nem Galopim. E a Lusa tem
responsabilidade acrescida porque “cria” agenda nos meios de comunicação que
dela dependem.
Os
últimos dias de Agosto foram assim caricatos. Numa réplica perfeita do
efeito-manada, o despacho da Lusa foi repetido mil vezes. Do “Açoriano
Oriental” à “Rádio Vaticano” (palavra!), repetiu-se o mesmo texto,
acriticamente. No mesmo dia, uma peça inqualificável do “Expresso” seguiu o
mesmo tom, sem reserva, do despacho da Lusa. Fala em pirâmides e em praças
cerimoniais, estabelece elos com o Mediterrâneo e com o México, com
aborígenes do Norte de África e com as Canárias. Tudo na ilha do Pico. Como na
anedota, queiram por favor explicar aos seus colegas onde estão guardados os
vestígios palpáveis destas civilizações.
Quando
chegou finalmente um travão a esta avalancha aborígene lançada sobre o Pico já
a torrente era imparável. Três dias depois, o “Público” produziu um artigo
equilibrado (disponível por enquanto aqui), noticiando as alegações dos “jovens lobos”, mas ouvindo as
refutações peremptórias dos dois especialistas (Élvio Sousa e Ana Margarida
Arruda), ambos com trabalho de campo nos Açores, ambos com trabalho publicado
sobre a expansão marítima, ambos com reputação nos respectivos campos de saber.
Ontem,
chegou por fim, no mesmo jornal, um artigo de opinião de um arqueólogo,
questionando abertamente a validade científica das “provas” apresentadas aos media,
mas talvez já seja tarde. Está plantada, no subconsciente nacional, a ideia da
pré-colonização açoriana. A estratégia resultou.
Creio
que está na hora de começarmos a esboçar um 11.º Mandamento, este destinado a
jornalistas que relatam ciência: Não anunciarás “descobertas” mirabolantes
sem que estas tenham sido validadas pela comunidade de especialistas.
Sob
risco de caíres no ridículo à mesma velocidade com que proferes a palavra
Eureka!
Em tempo: réplica bem humorada de Miguel Albergaria ao autor aqui.
Em tempo: réplica bem humorada de Miguel Albergaria ao autor aqui.
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