quarta-feira, novembro 30, 2022

A Gaffe do bruxo angolano


O Campeonato do Mundo de 2006 estava em curso e Angola estreava-se na grande competição de futebol. Por ironia do sorteio, a selecção africana fora colocada no mesmo grupo de Portugal. Tratando-se de uma nação com evidentes afinidades culturais, os jornalistas portugueses desdobravam-se para acompanhar o quotidiano dos palancas. 

Quem já acompanhou uma prova desportiva destas por um jornal sabe que é um trabalho maçador e pouco desafiante. É como uma refeição liofilizada que sabe ao mesmo para todos. O acesso aos protagonistas é mediado através de conferências de imprensa. Observam-se cinco minutos de um treino e é preciso empolar o mínimo pormenor para encher uma página de jornal ou 5 minutos de televisão.

Em Hannover, a acompanhar a selecção do sisudo mas competente Oliveira Gonçalves, estava um pequeno grupo de jornalistas portugueses. Um deles, enviado-especial do Record, conhecido pelo humor contagiante e desrespeito saudável pelas regras, lembrou-se de apimentar o dia 13 de Junho. Quando a comitiva técnica de Angola saiu do balneário para o relvado, apontou da bancada de imprensa para um elemento discreto, à paisana, que seguia os restantes treinadores a alguma distância. Baixou a voz e anunciou para os companheiros: «Sabem quem é? É o bruxo da selecção angolana. Foi importantíssimo para o apuramento.» Angola, de facto, qualificara-se in extremis, num jogo dramático no Ruanda.

O grupo riu-se. Não pensou mais na brincadeira. Alguns sabiam que se tratava do roupeiro da selecção. Era obviamente uma graça, mas há sempre um crédulo com complexos de Bob Woodward.

Nessa noite, na peça que a RTP transmitiu de Hannover, um dos jornalistas da estação pública contou aos portugueses – sem margem para dúvidas – que a selecção angolana empregava um bruxo para melhorar o desempenho no Mundial. Juntou mais alguns pormenores da sua lavra “à fonte original” e compôs o “furo”. Foi o pandemónio. A fake-news tornara-se real.

Na conferência do dia 15 de Junho, Oliveira Gonçalves denunciou a notícia. Compreensivelmente agastado e de dedo em riste para o jornalista da RTP, lembrou que a sua equipa técnica estudara nas melhores escolas de desporto, como os portugueses. E, com razão, disse também que a notícia da bruxaria só fora plausível porque envolvia uma selecção africana. Vermelho de raiva, não parava. E quanto mais se apercebia de que parte dos jornalistas portugueses já não conseguia disfarçar o riso ou manter-se de pé, mais se enfurecia.

Angola conseguiu dois empates históricos nesse Mundial. Talvez o bruxo tenha ajudado.

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