sexta-feira, abril 03, 2020

As mentiras de Primeiro de Abril

A tradição da mentira de Primeiro de Abril (o poisson de Avril) é antiga na imprensa portuguesa. Durante várias décadas, foi tratada como uma tradição nobre, com espaço alargado na primeira página e recursos estilísticos requintados para convencer o leitor.
Da colecção que recolhi há alguns anos, destaco o concertista que tocava fagote só com o nariz (DN, 1870), o desmoronamento do Aqueduto das Águas Livres (DL, 1934), o monstro marinho capturado em Pedrouços (DL, 1936) ou um novo rei português, Dom Teodósio, descoberto nos arquivos da Torre do Tombo (DN, 1992).
 
Diário de Notícias, 1 de Abril de 1870

Diário de Lisboa, 1934

Diário de Lisboa, 1936

Diário de Notícias, 1992

Por vezes, a mesma mentira foi repetida, inadvertidamente, por mais do que uma publicação. Em 1896, A Vanguarda e o DN insistiram que Gungunhana fugira do forte de Monsanto, matando vários guardas.
 
A Vanguarda, 1896
Noutras ocasiões, os foliões brincaram com o fogo. Em 1909, A Vanguarda arriscou anunciar que João Franco e Dom Miguel de Bragança tinham voltado a Lisboa para impor ao rei um novo ministério. O jornal foi querelado no dia seguinte.
 Em raras ocasiões, a mentira foi manchete. Em 1990, o JN prometeu aos leitores que o IRS seria devolvido aos contribuintes depois de as Finanças constatarem um terrível erro de cálculo.
 
Jornal de Notícias, 1990

A minha história favorita? A mentira cruzada do Diário de Lisboa e da RTP em 1965. O jornal prometeu que a televisão promoveria nessa noite a primeira emissão a cores, desencadeando uma corrida aos televisores e uma chuva de telefonemas de protesto no Lumiar, quando os espectadores constatavam que a "sua" emissão não fugia ao tradicional preto-e-branco. Vingou-se a estação, prometendo aos espectadores que o Diário de Lisboa do dia seguinte seria pela primeira vez na sua história impresso a quatro cores e os leitores deveriam insistir no seu ponto de venda para lhes darem o jornal colorido.
Diário de Lisboa, 1965

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