sexta-feira, janeiro 13, 2023

Cinco instantâneos na vida de um grande jornalista

     


        Mundial de 1966. Eusébio dá nas vistas e chama todo o tipo de aventureiros. Uma marca de lâminas de barbear quer patrocinar o craque, mas não há ainda empresários, nem advogados. Eusébio não fala inglês. Pede ajuda a um calmeirão que se desenrasca bem em Londres (trabalha então para a BBC e para a Associated Press). Hernâni Santos negoceia por ele. Arranja-lhe dinheiro. Nao escreve sobre o tema para não criar invejas em Lisboa, nem atenção das finanças. Minutos depois, com os bolsos cheios, Eusébio volta ao hall do hotel. Reencontra Hernâni Santos. “Acho que podíamos ter extraído mais aos tipos, pá. E o Coluna também acha que sim.” Primeira lição: os craques do mundo podem ter pés de barro.


     Munique, 1972. Um repórter desportivo do Diário de Lisboa monta uma das grandes trapaças do ano. Faz-se fotografar numa fila da aldeia olímpica, logo atrás do campeão olímpico Valery Borzov. No instante exacto do disparo, faz uma pergunta inócua ao soviético. Pela foto, parece uma conversa. O redactor manda para Lisboa uma sensacional entrevista, inventada do princípio ao fim. O jornal publica e só descobre a trama dias depois. Hernâni Santos, um dos responsáveis, dá uma bronca épica ao infractor, mas não o despede. Sabe por experiência própria que a pena capital não se justifica à primeira ofensa. 


     Lisboa, 1979. Mega Ferreira congela perante as câmaras de televisão. Apresenta o programa de notícias da RTP 2, uma aposta directa da direcção de Informação de Hernâni Santos, e fica largos segundos parado, em silêncio. É uma bronca num canal que ainda está a provar a sua razão de existência. Pede-se a cabeça do jornalista. Hernâni defende-o apesar das pressões. No jornalismo, mandam os jornalistas. Pouco depois é Hernâni quem bate com a porta. “Não pactuo com filhos da puta.”


    Goa, 1980. Vassalo e Silva regressa ao local onde se rendera duas décadas antes. É uma cerimónia de reconciliação entre o novo poder democrático português e o regime indiano. O tom, porém, é azedo. Vassalo e Silva é condicionado a pedir desculpa à Índia, em nome de Portugal. Um embaraço diplomático. Só um jornalista está lá – Hernâni Santos, pelo Expresso. “Dá trabalho ter sorte.”


     Castelo Branco, 1981. Um contacto no mundo da espionagem britânica avisa Hernâni Santos de que um homem condenado por traição durante a Segunda Guerra Mundial está vivo em Portugal. A equipa do Tal & Qual descobre-o em Castelo Branco. É um discreto professor de liceu. Há quem não queira publicar a história para poupar o espião nazi ao embaraço. “Publicamos os factos, o público fará juízos morais.” A história sai. Como sempre saíram as histórias de Hernâni Santos.


     Grato pela amizade, Hernâni. Foi verdadeiramente um prazer!


 


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