Granada, 29. A minha história favorita de Granada não tem que ver com o Alhambra. Está associada à Abadia do Sacromonte e envolve uma das maiores f alsificações da história. Conto a versão abreviada e excessivamente simplificada.
Após a toma do Alhambra, em 1492, os muitos mouriscos de Granada ficaram em situação periclitante. Foram tolerados durante um século, mas seriam forçados por Filipe à conversão ou à expulsão na segunda década do século XVII.
Em 1588, como que por milagre, foi anunciada uma estranha descoberta nas grutas da colina sobranceira ao Albaicin – ao lado de restos humanos carbonizados, apareceram placas de chumbo com uma versão radicalmente nova dos Evangelhos. O monte, antes conhecido por Valparaiso, tornou-se Sacromonte.
Interpretados como textos do século I, contavam a vida de Jesus, filho de Maria, mas não o davam como filho de Deus — uma versão compatível com o credo muçulmano.
Sugeriu-se a possibilidade de se tratar de um novo evangelho, escrito em latim e estranhos caracteres árabes, trazido para Espanha por São Cecílio (uma das figuras martirizadas na gruta).
A “descoberta” tinha fortes consequências. Sugeria que a população mourisca teria tanta legitimidade como a cristã para permanecer no reino. Iniciou-se um culto a São Cecílio e a abadia começou a ser erguida pouco depois.
Os documentos, apesar das reticências de alguns que desconfiaram do uso do latim num documento religioso tão antigo, foram enviados para a Santa Sé para estudo. Houve debate durante 40 anos. Durante 400 anos permaneceram ali (o cardeal Ratzinger só os devolveu a Granada no ano 2000). Mas sabe-se desde o século XVII que são falsos: eram engenhosas fabricações quinhentistas, criadas aparentemente por membros destacados da comunidade mourisca para legitimar a sua cultura num momento crítico.
Os livros plúmbeos são falsos, mas a abadia mandada construir por cima das grutas sagradas é bem real. Tal como a procissão de São Cecílio, que volta a sair à rua na próxima quarta-feira. Nunca se testaram as relíquias para confirmar as datações da Antiguidade.
Como dizem os italianos, non è vero ma ben trovato.
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