sexta-feira, junho 15, 2012

O crime, sempre o crime!

Idanha-a-Nova, 14 de Junho.     Calhou o acaso que entre no edifício que alberga a Câmara Municipal de Idanha-a-Nova minutos antes de o suspeito de um duplo homicídio ser apresentado ao tribunal que funciona nas mesmas instalações. Há alguns munícipes no largo principal, mas o seu número não se compara ao dos jornalistas. Fotógrafos e operadores de vídeo posicionam-se estrategicamente para poder recolher a imagem ideal nos curtos segundos que distarão entre a saída do suspeito do veículo policial e a entrada do edifício. Elementos da Guarda Nacional Republicana estão visivelmente confusos, adivinhando-se a sua estranheza perante um cenário para o qual não foram treinados nem nunca imaginaram vir a participar.
Rebobinamos alguns meses. Em Fevereiro, o mesmo município protagonizou uma inovadora campanha no âmbito do projecto Incubadora de Base Rural, colocando à disposição cerca de 300 hectares de terreno fértil susceptíveis de interessar jovens agricultores com projectos tecnologicamente inovadores. Trata-se de um projecto – e não de uma declaração de intenções – que prevê precisamente uma alternativa para a imparável perda de relevância do sector primário em Portugal, traduzida num abandono da agricultura. Inclui um incentivo à população activa jovem. Traduz-se numa promoção da criatividade tecnológica e, no entanto...
À sessão de apresentação, compareceram timidamente alguns meios de comunicação regional. Mais ninguém. Meses depois, na pista da ministra Assunção Cristas, uma televisão (a SIC Notícias) fez também ali um trabalho sobre o projecto, mas a comparação de cenários é inevitável, sobretudo porque o argumento das direcções de informação costuma ser o mesmo: falta de recursos para acorrer a todo o lado; falta de espaço para noticiar tudo; falta de correspondentes em todos os locais.
No entanto, face a um crime de sangue, rapidamente esses obstáculos se desvanecem. Encontra-se tempo no alinhamento para directos. Os correspondentes dão lugar a jornalistas enviados das sedes para relatar o assunto. Fotógrafos são mandados para o local para fotografar ambulâncias e macas. A insensibilidade de quem vem de fora é gritante: pergunta-se aos transeuntes, amigos das vítimas, familiares, conhecidos de sempre, o que sentiu quando viu os corpos? Que motivações teria o homicida?
Martelam-se enquadramentos imaginados, que têm de encaixar à força nos factos: será que pagavam ao empreiteiro a tempo? Será que isto não é mais um crime provocado pelo crise? Os munícipes entreolham-se, envergonhados pela figura de quem com eles fala e cai neste ridículo.
Amanhã, levanta-se a tenda. Abandona-se a vila. Noutras localidades, ocorrerão outros crimes de sangue. E continuarão a não existir recursos, tempo ou espaço para noticiar a actualidade do mundo rural. Excepto em caso de tiros.

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