quarta-feira, novembro 21, 2012

A Guerra das Vacinas



                          Parte 1 de 4.

                            Parte 2 de 4.

                             Parte 3 de 4.

                             Parte 4 de 4.


Legendado por mim (com falhas, aviso logo à cabeça), no âmbito da cadeira de Jornalismo de Saúde que lecciono na Universidade Católica Portuguesa, este documentário do Frontline, programa de referência da PBS, marca um ponto importante no debate público sobre a aceitação – ou questionamento – das autoridades de saúde na era da Internet.

A FORMAÇÃO DE OPINIÃO NA ERA DA INTERNET
O tema das vacinas é particularmente pertinente, pois integra uma decisão de cada sujeito (há Estados americanos nos quais a vacinação das crianças é livre no quadro de uma objecção de consciência discutível e perigosa) face à informação a que tem acesso. Nessa perspectiva, é penoso verificar, como refere um dos epidemiologistas, que para uma larga fatia da população, a informação veiculada no Youtube ou noutros serviços de partilha social de informação, adquire mais credibilidade do que uma tomada de posição do Centro de Controlo de Doenças. Quando essa aquisição de informação influencia uma decisão tão séria como a da vacinação, torna-se um problema de saúde pública.
Admitindo que é impossível travar a disseminação de informação falsa, incompleta, distorcida ou não validada na rede, resta aos agentes de saúde pública um salto de fé, tornando-se visíveis no ciber-espaço, actuando ali, desmentindo rumores, colocando online conteúdos validados. É uma batalha de desfecho incerto, mas que tem de ser travada, mesmo reconhecendo o carácter aliciante de uma boa teoria da conspiração!
A Internet apresenta outro problema: um conteúdo falso ou impreciso divulgado num meio de comunicação tradicional esgota-se no dia em causa. Deita-se fora o jornal, esquece-se o noticiário de rádio ou de televisão. O impacte é reduzido ao longo do tempo. Na Internet, porém, ele mantém-se, pairando no ciber-espaço. E pode bem ser o primeiro material de consulta para um pai em busca de informação sobre vacinas. 

A PROLIFERAÇÃO DE BOATOS
A ciência lida mal com os media, sobretudo quando as rotinas de produção de informação entram em colisão com os prazos e metodologias próprios da nossa ciência experimental. Neste campo, os acontecimentos provocados por erros médicos – ou melhor dizendo, pela difusão jornalística de alegados erros médicos – colocam novas dificuldades aos agentes de saúde.
O incidente relacionado com a cheerleader dos Washington Redskin, que alimentou notícias sobre um efeito inesperado e inédito de uma vacina, e a difusão espectacular dessa informação através das redes sociais e de alguns meios de comunicação, é um bom estudo de caso sobre a fragilidade dos mecanismos de validação nas redacções, que aceitam como plausível qualquer boato infundado, desde que ele constitua "boa televisão".
Em teoria, as agências de saúde pública deveriam ser mais ágeis na desmontagem destes processos, mas elas lidam com um problema: é de todo improvável que um rumor daquela natureza tenha validade, mas é preciso investigá-lo, recuperar o historial clínico, monitorizar todos os passos do doentes desde a toma da vacina ao dia do incidente. E este processo demora mais do que os media estão dispostos a esperar.
Não é expectável, porém, que a relação de forças se altere. É preferível produzir "ciência válida" nos timings possíveis a apressar o processo de (in)validação e cometer erros científicos, que deitariam por terra a credibilidade das instituições.  

A CORRELAÇÃO PERIGOSA
Dois fenómenos acontecem num encadeamento temporal: uma criança vacina-se e semanas depois desenvolve os primeiros sintomas de autismo. Em ciência, correlação não significa necessariamente uma relação causal. Para os pais de uma criança, essa correlação torna óbvio que a doença resultou da vacinação e esse é mais um exemplo das diferentes rotinas organizacionais que regem as profissões. Em jornalismo, um incidente dessa natureza adquire valores-notícia suficientes para difusão de uma notícia, mesmo que ela seja cautelosa na abordagem do tema; em epidemiologia, um incidente destes desperta a necessidade de condução de estudos que sustentem ou desmintam a relação apontada. O problema? Quando os estudos são publicados, mais de doze meses depois, o tema já foi noticiado e integrado no quotidiano e já se sentem efeitos das decisões tomadas por cada indivíduo relativamente à sua adesão à vacinação.
O processo é agravado porque o papel de intermediação dos media tem vindo a desaparecer.
Na Internet, e particularmente nas redes sociais, publica-se sem cessar e sem pensar, e cada utilizador depende apenas do seu bom senso (ou falta dele) e não de critérios deontológicos profissionais.
O cenário só se altera com educação científica em todas as idades.
Da próxima vez que ouvir alguém discutir o peso insuficiente das disciplinas de ciência nos currículos académicos, já sabe: é aí que se começa a (de)formar os futuros utilizadores do espaço público. E no campo da Saúde há muito por fazer: basta dizer que, nas categorias do Youtube, a Ciência é agregada à Educação, ao passo que a Saúde forma uma categoria com a Culinária!

O RISCO ZERO
Qualificada ou leiga em saúde pública, qualquer pessoa pretende tomar decisões médicas de "risco zero", que não impliquem qualquer consequência imprevista, e lhe permitam beneficiar de todas as vantagens anunciadas num programa de vacinação. Simplesmente, não existe risco zero em medicina, muito menos quando integramos uma nova vacina num plano nacional de combate às infecções.
Do lado dos gestores de saúde público, é forçoso comunicar as várias cadeias de risco à população, tratando-a como um grupo de adultos responsáveis e abordando o risco aceitável, que constitui uma pequena reacção (um inchaço, um pico de febre), o risco improvável (uma reacção alérgica do sujeito a um componente da vacina, que produz consequências aborrecidas mas tratáveis) e o risco estatisticamente invisível, mas sempre existente (uma reacção imprevista e com consequências de longo prazo ou irremediáveis). Estes três cenários têm de estar em cima da mesa.
Do ponto de vista dos utentes, importa desconstruir a noção de que estas opções são tomadas exclusivamente à escala individual. Não são: a decisão de não vacinar uma criança afecta a própria, a sua família e toda a comunidade em redor, diminuindo a imunidade colectiva e aumentando o risco (esse, sim, palpável) de um surto epidémico de uma doença infecciosa há muito controlada.

O LIMITE DA OPÇÃO INDIVIDUAL
Vale a pena por fim discutir o limite da opção individual de cada pai ao não vacinar o seu filho. Essa decisão não é exclusivamente individual, nem os direitos do pai são ilimitados. As decisões que contrariam o bem-estar da criança devem ser refutadas, da mesma forma que ninguém pode garantir que uma criança não imunizada não infectará outras, agravando epidemias, como temos visto em focos regulares de sarampo pelo mundo fora.
Em suma, "A Guerra das Vacinas" é um documentário relevante e muitíssimo bem conduzido, na melhor tradição do jornalismo da PBS.
E enquanto espreitar estes 52 minutos de filme, lembre-se que, em Portugal, no ano de 2011, cerca de três mil crianças não foram vacinadas por opção parental.

Ficha técnica:
Frontline. The Vaccine War.
Exibido na PBS em 27/04/2010
Produzido por Jon Palfreman
Co-produzido por Kate McMahon
Escrito e realizado por Jon Palfreman

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