Por motivos de
força maior, tive de faltar ao workshop Media e Deficiência, preparado pelo
Gabinete para os Meios de Comunicação Social, e no qual já confirmara a minha
presença. Na meia hora que me cabia, pretendia discutir a hegemonia daquilo que
Anne Karpf (1988) chamou a abordagem médica na difusão de informação sobre
deficiência física, motora, sensorial ou mental.
Tinha em mente a
proposta da Organização Mundial de Saúde de concepção da deficiência como
“incapacidade” ou “limitação”, apelo que aparentemente não chegou ainda aos
meios de comunicação. E, no entanto, a alteração semântica não é cosmética: se
aceitarmos a noção de incapacidade, somos capazes de assimilar que a
deficiência é mais abrangente do que pensamos. Em última instância, é algo que
nos bate à porta na fase derradeira da vida, quando a audição, a visão, a
mobilidade ou a cognição já fraquejam e produzem limitações no nosso estilo de
vida.
Pretendia
mostrar este excerto de cinco minutos da série “Make Me Superhuman”, produzida
pelo National Geographic Channel e dedicada à biónica. É um documentário
enternecedor – começo por aí. Baseia-se na força de vontade e resiliência de
quem foi afectado por factores de incapacidade e se esforça por reduzir ao
mínimo o transtorno provocado pela limitação das suas funções. Procurou
inovações tecnológicas em fase de implementação, fornecendo esperança renovada
às pessoas com deficiências. Mas registou também fraquezas que suscitam uma
reflexão.
Tal como Karpf
notou, este tipo de peça informativa, baseada na abordagem médica, tende a
construir socialmente a deficiência ora como um acidente cruel da natureza (um
erro genético), ora do destino (um acidente). Convida a audiência a aplaudir a
pessoa com deficiência ou a expressar pena pelas suas agruras, mas o verbo operativo
é transformar. Desse ponto de vista, a medicina é apresentada como a ferramenta
única, que oferece possibilidade de cura, reabilitação ou melhoria da
incapacidade, raramente sublinhando a necessidade de aceitação da condição
debilitada – pelos próprios e pelos que os rodeiam, uma vez que a limitação se
acentua quando as barreiras físicas ou sensoriais se acumulam.
Infelizmente, ao
vertermos a deficiência para as notícias, subrepresentamos horrivelmente os
grupos etários e sociais mais afectados. Cerca de 8% dos portugueses sofrem
pelo menos um tipo de incapacidade; a maioria, dizem as organizações de apoio
às pessoas com deficiência, são idosos. E, no entanto, as peças noticiosas (já
para não falar na ficção de que Karpf também se ocupa) raramente os representam,
preferindo os rostos e corpos jovens como ícones do tema. As próprias
deficiências não são tratadas de forma equitativa. Se já começam a ser comuns
as notícias sobre deficiência física, motora ou sensorial, a deficiência mental
continua a ser um tabu, um tema escondido, ao qual raramente se recorre. *
Era, no fundo,
esta reflexão que eu pretendia levar a discussão na passada quinta-feira, para
além de mostrar um processo típico de selecção, produção e difusão de um tema
na revista – a biónica, tema de capa da edição de Fevereiro de 2010. Terá de
ficar para outra vez.
1 comentário:
Excelente, meu caro.
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