Imagine-se no
século XIX. Não tem televisão, nem cinema, nem praticamente fotografia. A
ilustração está reduzida ao círculo académico. Onde pode aprender sobre a diversidade animal das latitudes
distantes?
Pensei nisto hoje
ao visitar o Aquário Vasco da Gama, em Lisboa, com o meu filho.
Submersos por
uma quantidade inédita de informação, que permite às crianças de três anos
distinguirem famílias de dinossauros com mais certezas do que um paleontólogo
da década de 1920, temos tendência a esquecer o papel dos gabinetes de
curiosidades, dos museus e jardins zoológicos do final do século XIX. Eles eram
então as únicas fontes de informação visual palpável sobre animais exóticos,
que hoje conhecemos abundantemente.
Pensemos em Obaysch,
o primeiro hipopótamo transportado para um zoológico europeu (aqui satirizado numa caricatura da época).
A sua captura
resultou de um pedido especial da Sociedade Zoológica de Londres ao cônsul
britânico no Egipto, em 1849. Num período de grande rivalidade com a ciência
francesa, alemã e belga, os ingleses queriam garantir que seria seu o primeiro
exemplar deste mamífero a chegar a um zoológico europeu.
A captura foi
acidentada. Foi necessário enviar um grupo de batedores ao Nilo Branco, que
descobriu uma cria isolada da progenitora. Trouxeram-na para o Cairo e dali
Obaysch navegou para Southampton em instalações especificamente desenhadas
para as suas necessidades. Chegou ao grande porto inglês na Primavera de 1850
e, ao longo da viagem de comboio para Londres, acumulavam-se dezenas de populares
nas estações, ansiosas por ver o “porco nadador”.
Em Londres, foi
exibido para milhares de pessoas. A rainha Vitória mostrou-o aos filhos e
escreveu sobre ele. Dickens queixou-se que ele pouco fazia para além de se
espojar e tomar banho. Obaysch viveu 28 anos em cativeiro e morreu em 1878.
Outros animais
tiveram destinos semelhantes. Em Lisboa, em 1913, a Companhia da Zambézia ofereceu o
primeiro hipopótamo ao Jardim Zoológico de Lisboa. Animal enigmático,
irritável, inédito aos olhos dos portugueses, foi tema de uma vasta campanha de
publicidade, que procurava chamar os lisboetas ao Zoo. Três anos depois, a
Ilustração Portuguesa garantia que continuavam a chegar romarias ao local para
ver o “exótico animal”. Note-se que, na sociedade portuguesa de então, "romarias" significavam apenas "homens", como o cliché de Joshua Benoliel inadvertidamente sugere.
(reprodução a partir de arquivo da Hemeroteca Digital) |
E recordo também
o caso do ocapi, enigmático girafídeo do antigo Congo Belga, que escapou ao
crivo de zoólogos e naturalistas até 1908. As suspeitas sobre a sua ocorrência
surgiram em 1900, com a descoberta de crânios e peles na posse de
indígenas congoleses. O rei belga montou uma expedição, que só teria sucesso
sete anos depois, com a primeira captura. Pouco depois, também o Zoológico de Londres assegurou um exemplar.
É pouco conhecido, mas Portugal tentou também bater os seus rivais europeus nesta corrida. Há alguns anos, tropecei numa carta do capitalista Carvalho Monteiro para contactos belgas, a pedido do naturalista Barbosa Bocage (que apadrinhara a entrada do construtor da Quinta da Regaleira na Academia das Ciências), procurando avidamente um exemplar, em 1902. O esforço, porém, não surtiu efeito.
Demorou bastante
até os lisboetas poderem espreitar o estranho animal das florestas do Congo. Em
1955, a Companhia de Diamantes de Angola assegurou, por fim, um exemplar vivo e
ofereceu-o ao Jardim Zoológico. Como todos os seus congéneres, o ocapi encantou
multidões, ciosas de ver e tornar palpável o que parecia lendário e
inacessível.
Hoje, lidamos mal com espaços como o Aquário Vasco da Gama, o Jardim Zoológico ou os Museus Zoológicos da Universidade de Coimbra e do Porto. Não sabemos o que lhes fazer. As crianças já não pasmam perante os animais empalhados ou exibidos em espaços minúsculos – já os viram centenas de vezes na televisão. Querem consolas e interactividade que estas instituições não têm, nem podem ter. Aos poucos, sem função concreta, estes museus definham. Como Obaysch e as centenas de feras que, um dia, fizeram as delícias do público, também para eles a cortina se prepara para cair.
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