Descubro pelo Facebook que morreu o Miguel Reis. Durante uma década – a década escaldante – o Miguel foi jornalista e não advogado. Os obituários que se escreverem provavelmente evocarão a curta temporada que dedicou ao jornal A Luta e a direcção do Portugal Hoje – em ambos casos, percursos pelo menos tão partidários como profissionais de que não se orgulhava muito. Prefiro celebrar o Miguel Reis do Jornal de Notícias.
A revolução de 1974 apanhou-o nas fileiras do jornal de Pacheco de Miranda, onde foi dos mais combativos. Tinha feito um curso de especialização em Paris e estava desejoso de mostrar os dentes. Entrevistou em exclusivo Emídio Guerreiro, logo em Maio desse ano – uma entrevista explosiva de Guerreiro sobre o círculo que rodeara Humberto Delgado no exílio. Obteve de Salgado Zenha uma confidência precoce de que os quadros da Polícia Judiciária seriam saneados. Era bom. Era muito bom jornalista.
Com bom acesso aos membros da Comissão de Extinção da Censura, foi dos primeiros a publicar materiais vetados durante o Estado Novo. A coluna chamava-se “Coisas da Censura” e recuperou pequenas pérolas como a circular de 1959, logo após o golpe castrista, que exigia: «Eliminar, no respectivo noticiário ou em artigos, referências a actos de crueldade ou fortunas acumuladas durante o regime de Baptista. Eliminar também a expressão fidelizar ou semelhantes, alusivas à instauração do esquerdismo revolucionário e anarquizante. Eliminar tudo que apresente Fidel Castro como grande personalidade e bem assim quaisquer referências elogiosas. São de publicar, porém, todas as críticas ou alusões pejorativas e ridicularizantes.»
Teve chatices no JN, como tiveram vários jornalistas mais ligados ao Partido Socialista – sobretudo na delegação de Lisboa. Mas prefiro celebrar a sua coroa de glória, o episódio em que o Miguel bateu toda a concorrência e, com o Rui Ochoa e o embaixador Menezes Cordeiro, teve acesso exclusivo ao território sarauí. Os pescadores do “Rio Vouga” tinham sido raptados e um camarada argelino do Miguel perguntou-lhe se não queria obter o exclusivo de como eles eram bem tratados no deserto. O exclusivo sarauí foi do JN e o Miguel assegurou-me que chegou a ver, na embaixada portuguesa de Argel, um telegrama pessoal de Sá Carneiro «autorizando [Luís] Fontoura a reconhecer o novo estado», se preciso fosse. Fontoura era o advogado a quem fora atribuída a missão de trazer de volta os 15 pescadores.
Talvez a faceta que mais o divertiu em todo o casofora o desabafo de Luís Fontoura ao Conselho de Ministros: “Sobre a posição dos sarauís, o Jornal de Notícias sabe tanto ou mais do que eu.”