domingo, dezembro 26, 2021

Morreu o João Paulo Cotrim

 


       Morreu hoje o João Paulo Cotrim e o dia ficou ainda mais triste. 
       Alguns recordá-lo-ão (e bem) como o jornalista que extraiu de Luiz Pacheco a frase emblemática. Outros (e bem) como o divulgador de banda desenhada, a paixão da sua vida. Outros ainda (com justiça) como o editor literário da Abysmo e da Arranha-Céus. Recordo, neste cantinho, o João como camarada de tertúlia e dos almoços épicos na Mimosa. 
       Homem de extravagâncias culinárias e de generosidade inigualável. Editor corajoso e apaixonado por uma boa história, qualquer que fosse o veículo de transmissão. Nunca dizia que não. Abraçava os projectos. Envolvia-se. Encorajava. As aventuras que tive na banda desenhada devo-as a ele e à maneira cinematográfica como projectava os guiões. 
       Deixou dezenas de livros por escrever, apesar de ter indexadas na Biblioteca Nacional pelo menos 76 obras com o seu nome. Releio o que ele escreveu em 2012, em Jogo da Glória, sobre Stuart Carvalhais e percebo agora que, de alguma maneira, o João também já estava a escrever sobre si: «Stuart não foi um autor qualquer: foi livre como uma nuvem. Participou nos movimentos artísticos do seu tempo, mas não produziu obra. Assinou milhares de estilos, mas não se pode dizer que pertença aqui ou ali. Possuía cartas de nobreza que cuspiu nos códigos de conduta e de vida triste. Andou pelos salões da intelectualidade, mas escolheu a rua. Esta absoluta liberdade, também ideológica, tornou-o oficiante da vida popular contra todos os preconceitos burgueses, mesmo aqueles dos supostos anti-burgueses. Cantou a Lisboa suja e dos gatos. Perseguiu as varinas e nelas as pernas, sinal maior do movimento. Aceitou a droga, o álcool e a Lua, e em sua companhia foi ao encontro de rostos conhecidos, da miséria e dos miseráveis, da novidade que se escondia no cinema, da vertigem das redacções, da amizade, dos amores. Não fez profissão do desenho de humor, mas um desejo ardente que aqui e ali o alimentou. Ocupou-se essencialmente em viver, tendo o desenho como ferramenta, arma, bengala e ei-lo personagem principal de um romance.» 
         Que saudades vamos ter de ti, João! Um beijinho para a Isabel!

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