quinta-feira, março 19, 2020

Há 46 anos em Lisboa

Há 46 anos, também num 18 de Março, Eugénio Alves escreveu no República um dos mais curiosos textos codificados da história da nossa imprensa. O golpe das Caldas, prenúncio da revolução de Abril, falhara no dia 16. Alguns oficiais envolvidos nos preparativos da revolução foram detidos. Receou-se o pior.
Coube a Eugénio Alves escrever a crónica do jogo entre Sporting e FC Porto, disputado no domingo, 17 (não é que seja muito importante para vocês, mas o Sporting ganhou por dois a zero, com dois golos do Dinis). O texto tanto descrevia a derrota dos nortenhos, como dava conta nas entrelinhas do falhanço das Caldas, procurando incutir ânimo aos restantes conspiradores.
Sob o título “Quem Travará os Leões?”, Eugénio Alves escreveu: «Os muitos nortenhos que no fim-de-semana avançaram até Lisboa, sonhando com a vitória, acabaram por retirar, desiludidos pela derrota. O adversário da capital, mais bem organizado e apetrechado (sobretudo bem informado da sua estratégia), contando ainda com uma assistência fiel, fez abortar os intentos dos homens do Norte. Mas, parafraseando o que em tempos dissera um astuto comandante, 'perdeu-se uma batalha mas não se perdeu a guerra'.»
O texto passou na Censura e foi publicado. Não se encontram documentos da Censura das últimas semanas antes da queda da ditadura. Certo é que, quando o regime se apercebeu da brincadeira, já a imprensa francesa tinha amplificado o registo. Eugénio Alves não chegou a ser detido.

(a imagem é do Diário de Notícias. Tenho o recorte do República noutro computador, mas, com a quarentena, é o melhor que se pode arranjar)


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