«Pouco
passava das 16h30. Hanssen caminhou pelo trilho florestal, flanqueado por
árvores, até chegar a uma ponte de madeira que atravessava o Wolf Trap Creek, um
curso de água estreito que serpenteia através do parque. Para os russos e para
Hanssen, a ponte era conhecida como “dead drop ELLIS”. Com cuidado, Hanssen
depositou um saco por baixo da ponte, longe dos olhares de eventuais caminhantes.
Demorou cerca de quatro minutos a emergir da floresta e a regressar ao seu
carro. Naquele momento, ele percebeu. Os homens que corriam na sua direcção
estavam armados com metralhadoras.» Os seus 23 anos de espionagem estavam quase
a terminar.
Em
Nova Iorque, há um museu chamado Spyscape. Ao contrário do Museu Internacional
da Espionagem de Washington ou do Museu Alemão da Espionagem em Berlim, este
espaço celebra sobretudo as histórias dos homens que espiaram contra o Ocidente,
as toupeiras que penetraram com sucesso nas principais agências de segurança norte-americanas
e inglesas. Alguns, como Philby, Burgess ou McLean, fizeram-no por convicção.
Outros, como Aldrich Ames, fizeram-no por dinheiro. E há, pontualmente, casos
especiais, cuja motivação nunca foi genuinamente apurada. Nesse grupo restrito,
não há ninguém como Robert Hanssen.
Em
Spy: The Inside Story of How the FBI’s
Robert Hanssen Betrayed America (Random House, 2002), David Wise explora o
extraordinário percurso do homem que foi ascendendo na hierarquia do FBI, ao
mesmo tempo que vendia segredos aos russos. Conseguiu esconder a sua identidade
e desmascarou agentes americanos na Rússia – em pelo menos três casos, as suas
denúncias conduziram à execução de agentes duplos americanos.
Em
Moscovo, sabiam que «Ramon Garcia» tinha de estar bem posicionado, mas não o
conheciam. Hanssen deixava a documentação roubada em sacos de lixo, por baixo
dos painéis que assinalam a entrada de um parque natural de Virgínia. Ali
também recolhia o dinheiro que selava o negócio. Durante 21 anos, Hanssen
espiou, indiferente à mudança de regime na URSS. Chegou a ser encarregado, por
uma comissão de inquérito, do grupo que se propunha identificar a “toupeira”
nos serviços americanos. Hanssen estava, naquele momento, encarregado de se
identificar… a si próprio.
Jornalista
veterano do The New York Time, David
Wise relata a ascensão e consolidação deste homem temente a Deus, membro da
Opus Dei nos Estados Unidos e conhecido pelos colegas pelo seu fervoroso
anti-comunismo. Em privado, porém, Hanssen seguia outras estrelas e outros
deuses.
Note-se,
por fim, que a narrativa tem uma passagem exótica por Portugal. Da mesma forma
que Robert Hanssen cometeu certa vez o erro de abordar directamente um agente
russo num parque de estacionamento, à maneira de Deep Throat, dizendo-lhe estar
pronto para colaborar com mais regularidade, Wise dá conta de que o mesmo
sucedera certa vez na embaixada soviética em Lisboa. Um potencial informador
entrou no edifício, exibiu a sua credencial da CIA e terá anunciado a sua disposição
para espiar a favor da URSS, mas os serviços russos declinaram a oportunidade,
considerando-a demasiado óbvia.
Hanssen,
que traíra tantos agentes duplos, foi traído por um agente russo que vendeu ao
FBI todos os ficheiros de Moscovo sobre o enigmático «Ramon Garcia». Durante
três anos, começou uma silenciosa caça ao homem que viria a culminar na
detenção de Hanssen, em Fevereiro de 2001, perto da ponte de madeira de
Foxstone Park. O espião está desde então numa prisão de alta segurança,
condenado a prisão perpétua.
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