A moderna Rua Agostinho Lourenço, Google Street View |
Leio na Internet que o Gana iniciou um
movimento de refutação dos ensinamentos de Mahatma Gandhi e começou
dramaticamente pela remoção da estátua em sua honra no campus da Universidade do Gana. Uma rua que honra Gandhi em Acra
poderá em breve ser renomeada. Em causa neste caso concreto está a releitura
das obras e intervenções do líder indiano e um alegado desinteresse do mesmo pela
causa da independência africana.
Intriga-me o fenómeno da reinterpretação
que as sociedades exercem sobre líderes em tempos venerados, apesar de o mesmo
não se reflectir necessariamente nas comissões de toponímia.
Em tempos, contei aqui (e no volume Parem as Máquinas!) que Félix Correia, o
jornalista que entrevistou Adolf Hitler em 1933 e que estendeu ao líder alemão
uma fotografia para recolha de dedicatória autografada, evitando qualquer
pergunta embaraçosa, ainda merece em Lisboa, na Amadora, na Praia das Maçãs e
em Fernão Ferro quatro arruamentos que honram a sua memória difusa e confusa.
Saberão os respectivos moradores quem foi o patrono ali lembrado? Na verdade, nunca
se ponderou a renomeação das ruas.
Na história portuguesa, não é preciso ir
muito longe. Há ainda 7 ruas, 1 avenida e 2 praças Oliveira Salazar na
Asseiceira, em Santo Tirso, Castainço, Carregal do Sal, Monte Real, Vila Flor,
Ansião, Armamar, Paredes [Porto] e Vila Seca – curiosamente, nenhuma em Lisboa.
Mesmo Marcelo Caetano, cujo legado suscita menos debates veementes, continua
consagrado em quatro ruas e uma avenida – em Agualva, Vermoil, São Domingos de
Rana e em Sintra (esta última, chic a
valer, na Quinta da Beloura, mantém o duplo “ll” de “Marcello”). Juntam-se à
Avenida Professor Marcelo Caetano na Maia.
Cada município tem um regulamento
diferente para as respectivas comissões de toponímia, mas, por norma,
entende-se como princípios básicos que as artérias designadas com antropónimos
devem honrar personalidades cujos nomes tenham significado para a história
local, que tenham falecido há pelo menos um ano, que não se repitam no mesmo
concelho e que resultem de proposta da própria comissão ou da sociedade civil.
Por norma, não estão previstos casos de revisionismo – raros também porque a
memória dos moradores sobrepõe-se com frequência às decisões de gabinete e
mantém nomes em uso mesmo quando as denominações foram alteradas. Mas o
revisionismo é possível.
Após a revolução de 1974, muitas
comissões de moradores fizeram chegar aos municípios de Lisboa, da Margem Sul
do Tejo, do Porto e de Coimbra vários pedidos para mudanças toponímicas. Umas
foram aprovadas, outras não. O caso mais divertido parece ter sido o dos
moradores da Rua Agostinho Lourenço, em São João de Deus, Lisboa. Queixavam-se
que a rua honrava o antigo director da PIDE, capitão Agostinho Lourenço. Na
verdade, não o fazia. O pobre Agostinho Lourenço em causa fora químico na Escola
Politécnica, mas nem isso dissuadiu os queixosos. Fosse ou não fosse o
famigerado líder da polícia política, o nome do arruamento era demasiado
parecido para suscitar confusões. Teimou a autarquia e o nome não mudou mesmo.
E o leitor, está satisfeito com o nome da sua rua?
5 comentários:
Mas há mais, como o Marechal Carmona. Mas os nomes poderiam manter-se, com uma placa elucidativa dos feitos do homenageado, cujo conteúdo variaria conforme a "ideologia" no poder político. Mas falando a sério. Durante muito tempo intrigou-me que um Presidente comunista da Câmara de Setúbal tivesse concordado que o seu nome fosse dado a uma associação cultural da cidade. Até que nas suas memórias ele esclareceu que se havia oposto, não concordando, e então os homenageantes, levando a deles avante, afirmaram que o Francisco Rodrigues Lobo homónimo era o poeta dos séculos XVI e XVII. E contra isso não havia mais argumentos. Mas creio que a generalidade da população acha mesmo que é uma justa homenagem ao edil
Muito bom o duplo comentário – sim, se se mantivessem os nomes com a placa explicativa, os sucessivos regimes actuariam sobre a informação das placas e não tanto sobre o topónimo!
Muito interessante a nota sobre a escola sadina. Na minha inocência, imaginava de facto que se tratava de uma homenagem ao edil em vida. Afinal, na Figueira da Foz, já existe também uma Rua Doutor Pedro Santana Lopes e presumo que exemplos desses abundem.
Obrigado pela explicação.
Pois. O Ronaldo deu o nome ao Aeroporto Internacional da Madeira, preterindo-se por exemplo Gago Coutinho, Sacadura Cabral, Sarmento de Beires ou mesmo Bartolomeu de Gusmão. Mas na cidade de Setúbal o treinador José Mourinho deu o nome à antiga Avenida da Praia da Saúde. Enfim ...
Pensei nisso quando se discutiu o nome para o aeroporto de Lisboa. Confesso que não estava confortável com as propostas de Aeroporto Sacadura Cabral ou Aeroporto Sá Carneiro (como no Porto). Pareceu-me de mau gosto celebrar num aeroporto o nome de figuras falecidas em desastres aéreos.
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