domingo, maio 31, 2020

Da obsolescência dos conselhos de redacção

Nesta rábula da Direcção de Informação da TVI e do programa de Ana Leal, escreveu-se esta semana que o Conselho de Redacção (CR) da estação foi decisivo no processo instaurado à jornalista, dado o desconforto do CR com a revelação de mensagens particulares trocadas por Leal com Sérgio Figueiredo. É bonita esta valorização do papel de Conselho de Redacção, mas ela vem deslocada. 
Os conselhos de redacção morreram. Estão extintos. Arrumados nas prateleiras da obsolescência. Não têm peso nas nomeações e demissões dos cargos de chefia, excepto nos órgãos de comunicação social do sector público, onde ainda geram ruído. Fazem, nos jornais, rádios e televisões, o papel do avô irascível no sofá da sala, que protesta vigorosamente com o estado a que isto chegou, mas que ninguém atende.
A tendência não é recente. No final da década de 1990, esvaziou-se progressivamente o poder deste órgão interno, removendo a capacidade decisória e tornando-o uma mera caixa de amplificação de decisões já tomadas. Agora, repito, é tarde. Dou-vos um exemplo, talvez o mais caricato, porque chegou a ser publicado em livro e ninguém fez caso.
Nas Confissões, segundo volume de memórias de José António Saraiva (Oficina do Livro, 2006), relata-se com pormenores abundantes o processo de sucessão de Saraiva na direcção do Expresso, no final de 2005. O essencial era conhecido: Saraiva propôs Mário Ramires para o seu lugar, Pedro Norton e Mónica Balsemão escolheram Henrique Monteiro. Balsemão absteve-se e Luiz Vasconcellos murmurou qualquer coisa ininteligível.
Foi escolhido, portanto, Monteiro pelo proprietário, como aliás era seu direito. Passo a palavra ao arquitecto (pg. 74 e 75): «Arranjei ainda milagrosamente tempo e energia para reunir o Conselho de Redacção, que obrigatoriamente tem de se pronunciar sobre a indigitação do director. Fi-lo, por razões óbvias, antes de anunciar formalmente o nome de Henrique Monteiro à redacção – de modo que, quando se deu esse anúncio, o Conselho pôde manifestar-se logo a seguir.
A reunião do Conselho de Redacção, sendo bastante pacífica, encerrou, porém, um pequeno episódio que poderia ter tido consequências trágicas. Embora de início eu tenha defendido uma solução diferente para a minha sucessão, a partir do momento em que a administração decidiu seguir outro caminho, eu empenhei-me em que as coisas corressem da melhor (e mais correcta) forma possível. Expus o assunto tranquilamente aos membros do Conselho e pedi-lhes a aprovação do nome do Henrique Monteiro. Não me pareceu haver grandes divergências – mas um dos membros suscitou uma questão: por coerência com uma prática seguida no passado, a redacção deveria ser consultada. Era um berbicacho!
Além de se atrasar o processo, não havia nenhuma garantia sobre o modo como a redacção se pronunciaria em consulta secreta. No Conselho de Redacção, não havia objecções à nomeação do Henrique – mas já era notório que o mesmo não se passava na redacção. A proposta causou, pois, embaraço – mas acabou por ser rejeitada ali mesmo para alívio geral. Todos queríamos aquele assunto resolvido o mais rapidamente possível. Fazer uma consulta à redacção teria sido abrir uma caixa de Pandora. O Conselho daria assim, por unanimidade, parecer favorável à nomeação do novo director, depois de o ouvir e de ele ter declarado prosseguir uma linha de continuidade com a direcção cessante.»


Falta o punch line. É o mesmo Henrique Monteiro que, hoje, na penúltima página do Expresso, vem lembrar que Bruno de Carvalho foi expulso de associado do Sporting por desrespeitar os estatutos do clube. Os estatutos e o protocolo, às vezes, têm importância; outras vezes, não.

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