Nos últimos dias, participei numa conferência em Pamplona sobre estudos jornalísticos. Quando participo neste tipo de eventos, tenho sempre o cuidado de salientar que estou ali com dois chapéus – o do repórter e o do investigador em jornalismo. Às vezes, essa dupla qualidade pode ser desvantajosa, na medida em que me retira espírito crítico. Acredito, porém, que me proporciona também a oportunidade de perceber com conhecimento de causa os constrangimentos profissionais que marcam as redacções contemporâneas e afectam irremediavelmente a produção noticiosa.
Aidan White, ex-presidente da Federação Internacional de Jornalistas, apresentou uma exposição soberba, separando a liberdade de expressão da liberdade de imprensa. Ao abrigo da primeira, não é essencial ser justo. Ou equilibrado. Ou imparcial. A segunda é, para citar uma expressão que o jornalista nascido na Irlanda usou, “liberdade constrangida”. Constrangimentos auto-impostos, é verdade, mas é uma liberdade limitada porque se subordina a um conjunto de procedimentos profissionais que reconhecem o poder da palavra publicada ou difundida e visam o equílibrio final das posições em confronto.
Nestes congressos, é frequente escutarem-se críticas ao facilitismo dos jornalistas. Aos erros da sua prática. Às suas limitações intelectuais. À sua lendária preguiça para escavar mais (vide a intervenção do provedor do Público, no domingo, 3 de Julho). E insiste-se – correctamente - na necessidade de accountability: de o jornalista ser responsável pelo que produz e de assumir posteriormente todas as falhas da sua produção, independentemente das atenuantes. Publicando os erros, se for caso disso. Reconhecendo as falhas, sempre que elas existirem e forem categóricas.
Assumo essa fraqueza do jornalismo moderno. Ninguém gosta de ser criticado e nós (falo com o chapéu de jornalista neste parágrafo) lidamos mal com esta interactividade recém-criada, que coloca um texto sob escrutínio imediato de leitores que são também comentadores e revisores. Lidamos mal com essa verificação factual e estilística e, se pudéssemos, voltaríamos num ápice ao mundo em que o texto publicado era uma jangada de pedra, inacessível e alheia à crítica. Ponto final.
Mas a accountability é, ou deveria ser, uma estrada com dois sentidos. Os investigadores em Media e Jornalismo (falo, neste parágrafo, com esse chapéu) também devem ser responsabilizados e responder pela sua produção. Na maior parte das vezes, os jornalistas e as organizações noticiosas visados nos trabalhos académicos não têm acesso à argumentação exaustiva. Nem ao artigo científico. Nem à tese. Nem à comunicação feita em congresso inter pares. As suas falhas (ou a percepção das suas falhas) são expostas, mas numa redoma, também ela alheia à crítica.
Seria bom encontrar mecanismos, eventualmente com a ajuda de jornais destinados aos profissionais de media, como o “Meios e Publicidade ou “Briefing”, ou através de organizações profissionais de jornalistas (como o Sindicato ou os clubes de imprensa), para divulgar aos repórteres o que as universidades estão a investigar sobre o jornalismo português. Partilhando conclusões. Discutindo resultados. Dando a conhecer as novas áreas de investigação. Sujeitando-se à crítica, se for caso disso, porque estou certo de que muitos jornalistas teriam resposta para algumas das apreciações que os peritos académicos fazem do seu trabalho.
Numa frase, a accountability que exigimos aos jornalistas deveria ter dois sentidos.
Adenda: em jeito de demonstração de accountability, aqui está um primeiro passo. As actas da conferência de Pamplona podem ser descarregadas aqui.
1 comentário:
O que um bom post . Eu realmente adoro ler esses tipos ou artigos. Eu não posso esperar para ver o que os outros têm a dizer.
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