Há semanas, ouvi o jornalista Carlos Magno, ao microfone da Antena 1, evocar uma história deliciosa de propaganda, servilismo e adaptabilidade. Com a preciosa referência bibliográfica fornecida pelo comentador, dei com a citação completa que não resisto a partilhar com os leitores do Ecosfera. Com a devida vénia a Carlos Magno, pela recordação, e à "História da Propaganda", obra notável de Alejandro Pizarroso Quintero, editada pela Planeta Editora, segue a história:
Contexto: Em 1814, Napoleão Bonaparte abdicou do trono e exilou-se na ilha de Elba. O exílio durou pouco. Em Março de 1815, o ex-imperador regressou a Paris, provocando a fuga de Luís XVIII. Napoleão governou durante cem dias antes de perder a batalha de Waterloo. O seu regresso a Paris, depois do exílio, foi vivamente noticiado nas páginas do "Le Moniteur", num exercício de equilibrismo instável do jornal e dos seus repórteres. Como alguém dizia, eu não mudo de lado, os acontecimentos é que se alteram!..
Acompanhemos as manchetes:
«9 de Março: "O monstro escapou do seu lugar de desterro."
10 de Março: "O ogre corso desembarcou em Cap Jean"
11 de Março: "O tigre foi visto em Gap. Estão a avançar tropas de todos os lados para deter a sua marcha. Terminará a sua miserável aventura como um delinquente nas montanhas."
12 de Março: "O monstro avançou até Grenoble"
13 de Março: "O tirano está em Lião. Todos estão aterrorizados pelo seu aparecimento."
18 de Março: "O usurpador ousou aproximar-se até 60 horas de marcha da capital."
19 de Março: "Bonaparte avança em marcha forçada, mas é impossível que chegue a Paris."
20 de Março: "Napoleão chega amanhã às muralhas de Paris."
21 de Março: "O imperador Napoleão acha-se em Fontainebleu."
22 de Março: "Ontem à tarde, Sua Majestade fez a sua entrada pública nas Tulherias. Nada pode exceder o regozijo universal."
(in "História da Propaganda", pg. 113)
Tamanha maleabilidade. Tamanho espírito de sacrifício. Estrondosos golpes de rins. Terá esta história com quase duzentos anos alguma actualidade?
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