A leitura que continuo a fazer do Orçamento de Estado (OE) para 2005 (leitura, aliás, que recomendo para avós e bebés, como diria um dos ministros) desperta mais inquietações. Verifico agora a situação perigosa a que o executivo votou as energias renováveis, mas suponho que o problema não deve ser grave. Da imprensa que consultei, apenas o "Jornal de Notícias" de 21/10 dedicou meia página ao assunto. É pouco para a avenida de risco que agora se abriu, mas talvez reflicta o abandono do sector, verdadeiro enteado das preocupações do Estado.
Ao contrário do que se esperava, ao contrário do que o Estado se comprometeu perante a União Europeia e agentes do sector, ao contrário ainda do que as declarações ocas de apoio ao sector da energia renovável faziam prever, o OE recusa atribuir mais incentivos aos projectos sustentáveis de exploração de energia.
Assim, prevê-se apenas:
- um investimento (suponho que, mesmo este, a contragosto) de seis milhões de euros no sector. É exactamente a mesma verba do que em 2004, pelo que suponho que os organismos de Estado que se dedicam à investigação continuarão com a corda na garganta, sem dinheiro para as despesas básicas, com a indignidade de os investigadores pagarem do seu bolso as deslocações de trabalho e com as entradas de novos elementos para o quadro perpetuamente congeladas.
- benefícios fiscais de 30% na aquisição de equipamentos novos para exploração energética, mas com um tecto máximo de 728 euros/ano
Apesar disso, estabelecem-se metas vigorosas para o sector, sobretudo para a energia eólica, como se o crescimento de utilizadores nascesse por geração espontânea. Aqui ao lado, em Espanha, Zapatero deu continuidade às medidas de Aznar e manteve a redução de IVA para a aquisição de equipamento novo ou de manutenção destinado ao aproveitamento de qualquer fonte renovável. Quer isto dizer que um espanhol paga apenas 5% de IVA na compra de um painel solar, o mesmo valor que uma empresa de exploração de energia eólica pagará no acto de compra de componentes de uma turbina. Em Portugal, pagam-se os 19% da ordem.
Mas, repito, essa tacanhez orçamental não nos impede aparentemente de ter vistas largas. E assim toca de espicaçar os agentes de mercado, colocando metas mais agressivas, na esperança de que um milagre das rosas transforme as fontes da EDP em turbinas, mantendo fé de que Nossa Senhora de Fátima logre a mutação dos aquecedores a gás em modernos colectores de energia solar e de que o nosso consumo de gasolina seja transformado pelo mágico Luís de Matos numa utilização sã de biodiesel.
A nota emitida pelo Ministério das Actividades Económicas, tutelado pelo excelso Álvaro Barreto, apontou baterias para 39% da produção eléctrica do próximo ano em Portugal com base em energias renováveis (a quota actual cifra-se em 28%). É obra!
Não deixa de ser curioso que a mesma fonte não estabeleça quaisquer exigências para empresas estatais ou privadas. E porque não obriga Barreto os novos edifícios licenciados pelas autarquias (com determinada volumetria) a apresentar painéis solares? E porque não obriga o ministro as empresas estatais a gerir melhor a sua energia, motivando aproveitamentos mais racionais e premiando os cumpridores? E, já agora, porque não facilita Barreto a transição entre a investigação do sector (porque ela existe em Portugal e está de boa saúde) e a aposta empresarial, com incentivos reais e penalizações para as empresas que a longo prazo esquecerem a sua responsabilidade social?
A tudo isto, o ministro faz vista grossa e deixa ao cuidado de pequenos promotores ou de autarquias diligentes a execução de propostas válidas. Em Santarém, com visão e sem grande esforço, a edilidade local obriga os novos edifícios a captar uma percentagem (julgo que 40%) da energia dispendida através de colectores solares. Não custa muito, mas não se faz. As metas foram estabelecidas por este pai tirano, que acabou de cortar a mesada aos filhos, mas, mesmo assim, lhes exige o sucesso que ele nunca ousou obter!
Voltarei ao tema.
1 comentário:
Até vou mais longe: não se cumprirão as metas de 2005, nem as de 2010, nem quaisquer outras que sejam estabelecidas. As energias renoáveis são de facto o enteado das políticas energéticas portuguesas.
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