Uma das candidatas a pior notícia do ano é certamente o processo REN, a restruturação da célebre Reserva Ecológica Nacional idealizada por Gonçalo Ribeiro Telles na década de 1970.
Admito que o tema não entusiasma políticos e intelectuais, peixeiras e padeiros, jornalistas e analistas. Mas o resultado das diligências que agora se travam terão impactes no ordenamento do território das próximas décadas.
Comecemos primeiro por dizer que a REN tem as costas largas. Virtualmente sempre que um construtor vê um projecto travado, sempre que um autarca sente uma negociata inviabilizada, sempre que um particular descobre que não pode expandir o telheiro ou a garagem por mais vinte metros quadrados, chovem pedras na direcção desta figura jurídica, uma espécie de motel da última oportunidade, a última barreira de sanidade antes da entrada na areia movediça.
A REN é arcaica, dizem-nos. A REN trava o investimento. A REN classifica e protege meia dúzia de metros quadrados de pântanos e dunas que ninguém usa. A REN é, por isso mesmo, uma pedra no sapato de muito boa gente e não espanta que a sua reapreciação tenha sido saudada por vários quadrantes do imobiliário.
À data em que escrevo estas linhas, não se sabe ainda que limites a nova REN terá. Não se conhecem os critérios que poderão ser invocados no futuro para desclassificar um terreno para construção ou ocupação. Mas teme-se, até pelas posições sinistras do principal entusiasta da revisão do estatuto (o professor Sidónio Pardal), que a REN se descaracterize e se torne uma figura moldável aos gostos de ocasião.
Admito que nem tudo na REN faz sentido. A legislação até chega a ser restritiva, porque o afã proibitivo veda a mais inocente intervenção numa área classificada. Mas não me esqueço de reconhecer também que se o território ainda não está totalmente desordenado, isso deve-se às restrições da REN.
Daqui a 20 anos, se o projecto do professor Pardal retirar o arame farpado que hoje em dia constitui a única protecção estatal para áreas de significativa importância ecológica, veremos uma falésia vicentina pejada de casas, uma serra da Estrela recheada de espaços lúdicos, zonas húmidas transformadas em áreas de navegação de lazer e, no cimo de tudo isto, uma monumental lápide com os dizeres: aqui jaz a valência ecológica portuguesa. Pereceu no dia em que o Estado deixou mexer na REN!
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