Em política, há um falso silogismo que frequentemente é colocado em prática por ministros ávidos de mostrar serviço. Traduz-se na fórmula jocosa: Todos os gatos têm quatro patas; o meu cão tem quatro patas, logo... o meu cão é um gato! Em linguagem política, o silogismo traduz-se em: Tenho de fazer alguma coisa! Este dossier é alguma coisa, logo tenho de fazer este dossier. O raciocínio turvo aplica-se desta vez à anunciada tentativa de recuperar o projecto hidro-eléctrico do Côa.
Como é público, o último Conselho de Ministros discutiu (mas não aprovou) duas propostas de resolução da crise energética nacional, substanciada na excessiva dependência do petróleo que não temos. A proposta de Álvaro Barreto defendia a criação de uma central nuclear (ver a nota que escrevi ontem); a segunda proposta, anónima segundo a imprensa, debatia a recuperação do projecto hidro-eléctrico no rio Côa - o mesmo que fora abandonado no primeiro ano do governo de António Guterres, na sequência da intensa campanha popularizada pelo slogan "as gravuras não sabem nadar".
O que mudou nestes oito anos que possa validar a reapreciação do velho plano da EDP? O caso Côa produziu claramente vencedores e vencidos e não me custa a acreditar que a iniciativa deste projecto tenha partido de algum amargurado político social-democrata da altura. O Côa, as suas gravuras e o seu património cultural são espinhas enfiadas na garganta de alguns filisteus, que não compreendem como a EDP foi ultrapassada em nome de um interesse não tangível, como é o património artístico do vale do Côa.
Mas creio que há algo mais profundo nesta história. A barragem do rio Sabor (o último verdadeiramente pristino em Portugal) foi a contrapartida que o Estado cedeu então à EDP como compensação pelas verbas já investidas em Foz Côa. Há dois anos que a plataforma pelo rio Sabor, que engloba associações de defesa do ambiente, autarcas, académicos e populações mobilizadas, tem feito intensa campanha pelo abandono do projecto. E como sempre acontece nas campanhas cívicas bem organizadas, o problema ganhou notoriedade e simpatia e move agora dezenas de interessados, contando também (é bom lembrá-lo) com meios de comunicação sensibilizados para a causa e para a polémica.
Não vou discutir para já os méritos e deméritos da barragem do rio Sabor (ficará para uma nota futura). Mas não me custa a acreditar que as recentes propostas veiculadas nos meios de comunicação - a imbecilidade da aposta nuclear e a incongruência do regresso ao Côa - tenham sido utilizadas como moedas de troca, males maiores invocados para lembrar às plataformas de defesa do rio Sabor que o governo vai mesmo satisfazer a EDP, seja no Sabor ou no Côa. A ver vamos, porém, se no decorrer deste jogo de póquer alguém fez um bluff maior do que as suas capacidades...
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