Durante muitos anos, a academia não se preocupou em excesso com a comunicação da ciência aos leigos. Era uma tarefa menor, que consumia tempo e recursos e significava uma considerável despromoção social do cientista, particularmente se este já ocupasse um lugar relevante na hierarquia científica.
Na verdade, para aceder à esfera pública, o cientista era forçado a negociar espaço e destaque para a sua investigação com os jornalistas, tarefa muitas vezes inglória, por vezes humilhante, e de desfecho sempre imprevisível. Afinal, como lembram os epidemiologistas, no dia a seguir ao anúncio da fase 6 da pandemia de gripe A, em Junho de 2009, poucos foram os jornais diários que concederam honra de manchete à notícia mais importante da saúde pública da década. Na véspera, o Real Madrid contratara Cristiano Ronaldo e os valores-notícia dos jornais fizeram o resto…
O paradigma entretanto alterou-se. As entidades financiadoras esperam que os cientistas transmitam os resultados da sua pesquisa à sociedade civil e premeiam os projectos cujo outreach seja mais evidente. Em face dessa obrigatoriedade de comunicar, parte hoje de muitos cientistas a iniciativa de contactar órgãos de comunicação e expor as suas propostas.
O ponto fulcral em debate, hoje como dantes, é a autoria. Quem ordena a informação? Quem escreve a notícia? Que detalhes vão ser destacados e que pormenores vão ser ignorados?
Deparo cada vez mais com propostas ao abrigo das quais o cientista não quer abdicar de escrever a notícia. Travo então curiosas batalhas dialécticas com os cientistas que concordam, na generalidade, com as premissas:
1) Escrever para o público leigo é um esforço diferente da redacção de um artigo para os pares.
2) A organização da informação não é necessariamente cronológica, nem segue judiciosamente os passos do método científico.
3) O enquadramento teórico no qual o trabalho se insere tem normalmente pouca relevância.
4) A metodologia só é noticiada em condições excepcionais.
5) Ninguém quer ler sobre os vinte parceiros que co-assinam o artigo.
6) Os aspectos lúdicos ou ligeiros e as metáforas de simplificação podem ser a única informação que o leitor guarda na memória depois de lido o texto.
Quando o debate desce à especialidade, porém, deixa de existir acordo. Todos concordam que há cientistas sem qualquer vocação para a divulgação. Simplesmente, nenhum admite que esse pode ser o seu caso.
P.S.: Em ocasião futura, escreverei sobre as debilidades dos jornalistas para narrar de forma fidedigna as nuances da ciência.
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