Há 40 anos, sensivelmente a esta hora, a
cem metros do sítio onde está hoje a redacção da National Geographic, o bairro
das Avenidas Novas acordou com estrondo.
Um veículo branco, com pelo menos dois
homens a bordo, aguardou no início da Rua António Enes por um ritual que se
repetia todas as manhãs. Junto das árvores, na divisória que separa as duas
faixas da rua, outro homem esperava. O embaixador israelita Ebrahim Eltar saiu
da embaixada, que ainda se mantém num quarto andar do cruzamento com a Rua
Filipe Folque, e aproximou-se do Volvo oficial azul. O carro branco acelerou e,
para espanto de dezenas de transeuntes, um dos ocupantes disparou uma
pistola-metralhadora na direcção do embaixador. Providencialmente, o
guarda-costas já abrira a porta do carro.
À mesma hora, uma senhora, residente no
prédio contíguo à embaixada (e mãe de dois bons amigos meus), saía
tranquilamente do prédio. A partir daqui, o relato das testemunhas diverge,
como é normal em episódios desta natureza.
Um homem, o guarda-costas da PSP Ildefonso
Ferreira, reagiu com enorme sangue-frio. Atirou-se sobre o embaixador e
protegeu-o com o seu próprio corpo da maioria dos disparos, aterrando com
estrondo no capot do veículo da
vizinha que apanhou o susto da sua vida e ficou com o automóvel inutilizado.
O motorista do embaixador accionou a
ignição do Volvo e iniciou a marcha, já com o embaixador (vivo) e o
guarda-costas (morto) no asfalto. O carro branco nunca parou e fugiu pela Rua
Filipe Folque. O homem que aguardara a pé lançou uma granada defensiva na
direcção do Volvo, que estilhaçou os vidros do rés-do-chão da António Enes, fugindo
a correr pela Rua Luís Bívar.
O senhor António, que trabalhava na
Pastelaria Nobreza desde 1971 e ainda trabalha na mesma rua, na carvoaria de
frente, assistiu a tudo. Conta que os estilhaços atravessaram a rua e vieram
cair a seus pés. Outro guarda da PSP foi atingido por estilhaços, tal como a infeliz
vizinha que terminou o dia na sala de operações do Hospital de Santa Maria.
O comando terrorista acelerou e fugiu. Os
homens foram detidos dias depois numa pensão de Lisboa. Representavam a secção
de Lisboa dos Militantes Operários Internacionalistas.
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