quarta-feira, novembro 13, 2019

Há 40 anos, na rua onde estou


Há 40 anos, sensivelmente a esta hora, a cem metros do sítio onde está hoje a redacção da National Geographic, o bairro das Avenidas Novas acordou com estrondo.
Um veículo branco, com pelo menos dois homens a bordo, aguardou no início da Rua António Enes por um ritual que se repetia todas as manhãs. Junto das árvores, na divisória que separa as duas faixas da rua, outro homem esperava. O embaixador israelita Ebrahim Eltar saiu da embaixada, que ainda se mantém num quarto andar do cruzamento com a Rua Filipe Folque, e aproximou-se do Volvo oficial azul. O carro branco acelerou e, para espanto de dezenas de transeuntes, um dos ocupantes disparou uma pistola-metralhadora na direcção do embaixador. Providencialmente, o guarda-costas já abrira a porta do carro.
À mesma hora, uma senhora, residente no prédio contíguo à embaixada (e mãe de dois bons amigos meus), saía tranquilamente do prédio. A partir daqui, o relato das testemunhas diverge, como é normal em episódios desta natureza.
Um homem, o guarda-costas da PSP Ildefonso Ferreira, reagiu com enorme sangue-frio. Atirou-se sobre o embaixador e protegeu-o com o seu próprio corpo da maioria dos disparos, aterrando com estrondo no capot do veículo da vizinha que apanhou o susto da sua vida e ficou com o automóvel inutilizado.
O motorista do embaixador accionou a ignição do Volvo e iniciou a marcha, já com o embaixador (vivo) e o guarda-costas (morto) no asfalto. O carro branco nunca parou e fugiu pela Rua Filipe Folque. O homem que aguardara a pé lançou uma granada defensiva na direcção do Volvo, que estilhaçou os vidros do rés-do-chão da António Enes, fugindo a correr pela Rua Luís Bívar.
O senhor António, que trabalhava na Pastelaria Nobreza desde 1971 e ainda trabalha na mesma rua, na carvoaria de frente, assistiu a tudo. Conta que os estilhaços atravessaram a rua e vieram cair a seus pés. Outro guarda da PSP foi atingido por estilhaços, tal como a infeliz vizinha que terminou o dia na sala de operações do Hospital de Santa Maria.
O comando terrorista acelerou e fugiu. Os homens foram detidos dias depois numa pensão de Lisboa. Representavam a secção de Lisboa dos Militantes Operários Internacionalistas.
Faz hoje 40 anos. 
O croquis do episódio publicado pelo Diário de Lisboa, 14 de Novembro de 1979
(a partir de arquivo da Fundação Mário Soares)

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