A anunciada extinção do Inimigo Público (IP), suplemento satírico semanal do jornal Público, arrepia-me. Desde
2004, terei perdido no máximo dez edições do IP. A fórmula satírica inventada
por Luís Pedro Nunes era incrivelmente simples: utilizando técnicas
jornalísticas, incluindo a citação de discurso directo transviado ou códigos
tradicionais de referenciação da informação, escreviam-se notícias sem pés nem
cabeça, sátiras a personalidades e instituições, disparando à direita e à
esquerda, para cima e para baixo.
Ao longo destes anos, não me
cansei de reparar nos recortes do Inimigo Público afixados em dezenas de
gabinetes por esse país fora, homenagem singela dos milhares de leitores do
suplemento ao tom, sarcasmo e coragem dos profissionais do suplemento. Em
Castro Verde, na delegação do Sul do Instituto Português de Arqueologia, tive
um dia de parar uma conversa por causa do riso. Na parede, uma notícia do IP
anunciava: “Por causa da crise, arqueólogos não podem escavar mais de vinte
centímetros por projecto.” Na Unidade de Arqueologia da Faculdade de Letras de
Lisboa, vi um dia um recorte que garantia a descodificação da Escrita do
Sudoeste através do tablet de Rui Santos. No texto, Mário Botequilha, o melhor
entre os melhores do IP, garantia que a Escrita do Sudoeste não se lia da
esquerda para a direita, da direita para a esquerda ou de cima para baixo: era
feita para ser lida na diagonal como a TV Guia ou o blogue de Santana Lopes. Na semana passada, vi este texto num gabinete do Departamento de Física.
Na redacção da NG, guardo ainda
os recortes das ocasiões em que a revista foi também gozada pelo IP. Ali figura
a notícia do documentário sobre os robalos do Pacífico Norte, proibido por
Sócrates com receio de que também o associassem àqueles robalos. Ou o texto
sobre a aparição-supresa de Cristiano Ronaldo às tropas portuguesas no
Afeganistão, que acabara com uma noite de farra com a rapariga mais famosa do
país: Sharbat, a menina afegã!
É todo um vulto que hoje cai na imprensa
portuguesa. Sentirei a sua falta.
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