sexta-feira, outubro 12, 2012

Queda de um vulto


A anunciada extinção do Inimigo Público (IP), suplemento satírico semanal do jornal Público, arrepia-me. Desde 2004, terei perdido no máximo dez edições do IP. A fórmula satírica inventada por Luís Pedro Nunes era incrivelmente simples: utilizando técnicas jornalísticas, incluindo a citação de discurso directo transviado ou códigos tradicionais de referenciação da informação, escreviam-se notícias sem pés nem cabeça, sátiras a personalidades e instituições, disparando à direita e à esquerda, para cima e para baixo.
Ao longo destes anos, não me cansei de reparar nos recortes do Inimigo Público afixados em dezenas de gabinetes por esse país fora, homenagem singela dos milhares de leitores do suplemento ao tom, sarcasmo e coragem dos profissionais do suplemento. Em Castro Verde, na delegação do Sul do Instituto Português de Arqueologia, tive um dia de parar uma conversa por causa do riso. Na parede, uma notícia do IP anunciava: “Por causa da crise, arqueólogos não podem escavar mais de vinte centímetros por projecto.” Na Unidade de Arqueologia da Faculdade de Letras de Lisboa, vi um dia um recorte que garantia a descodificação da Escrita do Sudoeste através do tablet de Rui Santos. No texto, Mário Botequilha, o melhor entre os melhores do IP, garantia que a Escrita do Sudoeste não se lia da esquerda para a direita, da direita para a esquerda ou de cima para baixo: era feita para ser lida na diagonal como a TV Guia ou o blogue de Santana Lopes. Na semana passada, vi este texto num gabinete do Departamento de Física. 
Na redacção da NG, guardo ainda os recortes das ocasiões em que a revista foi também gozada pelo IP. Ali figura a notícia do documentário sobre os robalos do Pacífico Norte, proibido por Sócrates com receio de que também o associassem àqueles robalos. Ou o texto sobre a aparição-supresa de Cristiano Ronaldo às tropas portuguesas no Afeganistão, que acabara com uma noite de farra com a rapariga mais famosa do país: Sharbat, a menina afegã!
É todo um vulto que hoje cai na imprensa portuguesa. Sentirei a sua falta.

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