(fotografia indecentemente pirateada daqui. Notem, aliás, que a autora do blogue não partilha o meu entusiasmo, apresentando para tal argumentos válidos)
Começo da forma mais pedante possível: não envergonha. Pelo contrário. É superior à maior parte dos centros interpretativos que conheço nas cidades europeias. É melhor do que o Museu da Cidade de Barcelona e é mais divertido do que a Dublinia, na capital irlandesa. É até mais complexo do que o Museu da Cidade de Amesterdão, que se foca na cultura e não na história, para contar a narrativa da cidade onde se integra.
Começo da forma mais pedante possível: não envergonha. Pelo contrário. É superior à maior parte dos centros interpretativos que conheço nas cidades europeias. É melhor do que o Museu da Cidade de Barcelona e é mais divertido do que a Dublinia, na capital irlandesa. É até mais complexo do que o Museu da Cidade de Amesterdão, que se foca na cultura e não na história, para contar a narrativa da cidade onde se integra.
Em última
instância, qual a expectativa de uma organização de turismo (no caso, a
Associação de Turismo de Lisboa) face ao visitante que acorre uma vez à cidade?
Lamento contrariar muitos dos directores de museus e outras instituições
culturais que conheço em Lisboa, Coimbra e Sintra: não é dar-lhes uma lição de história exaustiva, tornando-os especialistas no tema em causa, mesmo que não seja essa
a sua vontade. Em muitos museus, mantém-se uma expectativa desmesurada
relativamente ao investimento de tempo e concentração que o visitante fará no
equipamento em causa.
Sejamos
honestos: o visitante comum leva na memória três ou quatro pinceladas sobre a
cidade que visita, pinceladas essas que, ao fim de poucas semanas, se esbatem
na mente, confundindo-se com outras experiências. De Lisboa, guarda-se sem
esforço a luz natural, sempre presente, mesmo nos dias mais sombrios; a
gastronomia, que encanta e é barata; o património arquitectónico
(indiscriminado) ao longo do eixo ribeirinho; e, com sorte, talvez o visitante
leve também uma ou duas ideias difusas sobre o papel da cidade na história do
mundo, dependendo das portas onde tiver batido, da informação que tiver
consumido e do acaso o poder ter levado aos sítios fundamentais.
É nesse capítulo
que o Lisbon Story Centre tem uma função a cumprir.
É verdade:
custou três milhões de euros e um milhão foi aplicado em tecnologias de
informação, via YDreams. Já conheço a réplica que se segue: é muito dinheiro quando não há verbas para os outros museus e sobretudo quando o visitante não vê “objectos reais”, nem toca em artefactos
com história. Pergunto: será isso decisivo? Os museus com espólio continuam a
existir, a começar pelo tristonho Museu da Cidade, no Campo Grande, e terminando no exuberante Museu do Oriente, a caminho do Cais do Sodré. Cabe-lhes vender essa
experiência. Não creio, na verdade, que o Lisbon Story Centre concorra com eles.
A visita é
totalmente conduzida por um audioguia em dez línguas e uma versão infantil. São
18 pontos de paragem, nos quais um guião impecavelmente redigido, com momentos
cómicos e consultoria científica (quase) inatacável de José Sarmento Matos, nos levam
da Lisboa fenícia a 1974. Animações estupendas e boas recriações de cenas
históricas ajudam a passar de etapa a etapa, embora, na sala do terramoto, a
expectativa saia um pouco defraudada, face por exemplo ao que o Museu da
Ciência de Londres oferece no capítulo da experiência sísmica (foi o último
momento de pedantismo, prometo).
O tempo passa a
correr. Quando a visita desemboca na loja, passaram 60 minutos agradáveis e bem
documentados, onde a pequena história, das curiosidades e dos factos pitorescos
foi apresentada lado a lado com a história dos acontecimentos e das
personalidades inevitáveis. E, surpresa das surpresas, é das curiosidades e
“factóides” que o visitante se lembra no final.
Cumprindo o
desígnio inicial (lembram-se?), o visitante vai para casa a pensar num rei que
viveu os vinte anos que lhe restavam numa barraca-tenda, num marquês
experimentalista que mandou um regimento de infantaria caminhar nas gaiolas
pombalinas para testar a sua flexibilidade, num corvo que se tornou símbolo da cidade,
e num santo António que destronou no afecto local o original São Vicente.
É pouco? É
muito? Ninguém priva o visitante de contactar com os museus e monumentos
“reais”. Ali, bem perto, o Portal de Nossa Senhora da Conceição recorda-nos do
património irrepetível da cidade; subindo a colina, o Museu de Farmácia, o
Museu do Design ou o Museu Arqueológico do Carmo cumprem admiravelmente a sua
função, sem serem beliscados pelo novo centro.
É verdade que há
defeitos: nove euros por bilhete parecem significar que a massa primordial dos
300 mil visitantes/ano que a cidade espera não serão portugueses. A
ausência de colaboração e articulação com a EGEAC e com o Museu da Cidade
antecipam uma relação conturbada entre espaços culturais sob a mesma tutela,
que poderiam cooperar muito melhor. A Lisboa romana e a Lisboa árabes são negligenciadas quase por completo pelo guião em prol de uma Lisboa fenícia mais romantizada do que real. Por fim, a dependência total de consolas e
ecrãs deixa-me igualmente de pé atrás, sobretudo depois de ter acompanhado de
perto a origem e colapso do Carsoscópio de Alcanena (entretanto reabilitado),
também ele dependente das tecnologias de informação. Daqui a um ano, esgotado o
valor orçamentado para a concepção do espaço, quantos equipamentos estarão
ainda operacionais?
Termino por onde
comecei. É um novo motivo de orgulho no renovado Terreiro do Paço. Não
substitui a leitura das 600 páginas do “Livro de Lisboa”, nem o tacto demorado
das colunas do Museu do Teatro Romano. Julgo que ninguém no seu devido juízo pretendia
que isso sucedesse, embora não fosse descabido deixar pistas à saída para o visitante que pretenda continuar a sua peregrinação cultural por outros museus. Mesmo assim, o Story Centre produz uma experiência de que o turista em Lisboa não dispunha até agora.
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