(Açores, 5 de Fevereiro) Lembram-se do «Estebes», personagem inolvidável de Herman José? De vez em quando, o bonacheirão locutor virava-se para o público, mexia os dedos e pedia «energia, energia»! A imagem não me sai da cabeça enquanto folheio a intensa e activa imprensa regional.
Apesar de as distâncias serem hoje mais curtas, é evidente que a insularidade será sempre uma limitação da economia açoriana. O custo acrescido de transporte e a dispersão populacional por nove ilhas trava economias de escala e encarece praticamente todos os produtos. Há, porém, excepções. O mercado energético merece alguma reflexão.
Em mais nenhum ponto do território nacional, é possível fornecer cerca de um terço do consumo eléctrico doméstico e industrial por vias renóváveis. Em São Miguel, a ousada geotermia consegue-o. É certo que o valor percentual já foi mais alto, até já rondou 35% do consumo eléctrico da ilha, mas os micaelenses, como todos os portugueses, consomem cada vez mais energia eléctrica e a percentagem é hoje mais baixa. Mesmo assim, o parâmetro enunciado continua verdadeiro: São Miguel é o melhor exemplo de aplicação de energias renováveis que temos para mostrar ao mundo!
Pasmo por isso com a anunciada segunda fase de privatização da Electricidade dos Açores (EDA). Não a consigo conceber nem justificar. Aqui está um bem estratégico, que deveria servir de ferramenta económica para repor a justiça competitiva entre empresas locais e concorrentes nacionais. Tudo é mais caro na cadeia comercial de cada empresa micaelense (ou açoriana) - a água, o gás, as matérias-primas. Ora, a electricidade é gerada localmente por fonte renovável e é precisamente esse capital simbólico que o governo da República vai continuar a alienar.
Por aqui, dizem-me que o processo de venda nem sequer é muito preocupante. Na verdade, a electricidade nunca foi mais barata em São Miguel. Por um incrível e inexplicável processo de tabelação de tarifas, as centrais geotérmicas não cumprem a sua principal mais-valia: gerar electricidade mais barata para consumidores privados e comerciais.
Poderá o leitor argumentar que a geotermia tem custos de investigação e manutenção e que porventura a EDA terá as contas no "vermelho". O argumento é pertinente, mas é prontamente desmentido por notícias recentes. No "Açoriano Oriental" de anteontem, escreve-se que a EDA apresentou resultados líquidos de 7,4 milhões de euros, mais de 100% face à última demonstração de resultados. Caramba! Isto não são sinais de um negócio em regressão.
Neste cenário, vale a pena lembrar o «Estebes». Energia, pessoal, energia para alumiar os centros de decisão do Governo da República!
1 comentário:
É lamentável ouvir dizer que pretendem privatizar uma empresa de capitais públicos de sucesso e com tantos lucros declarados. É, mais uma vez, a triste sina de um país onde tudo o que é público tem de dar prejuizo e, se der lucro, é logo privatizado. E mesmo depois de privatizado, suga-se até ao tutano e, quando já não der nada, ruma-se para outros lados. O Belmiro já disse como é. Por isso, recordo com carinho o Dr Ruy Galvão de Carvalho, estudioso de Antero de Quental, meu professor e professor de um ou outro alto responsável do actual poder político açoriano. Se ele ouvisse essa ideia da privatização da geotermia, daria não sei quantas voltas no túmulo. Octávio Lima.
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