sexta-feira, janeiro 24, 2014

A pesquisa epistolar tem os dias contados

Ocorreu-me ontem como já tinha ocorrido no final do ano passado quando me debrucei sobre o espólio do Conde de Arnoso depositado na Biblioteca Nacional: a pesquisa epistolar não tem futuro.
Olhamos para a vida destes homens do século XIX e do século XX – escritores, políticos, empresários, industriais ou jornalistas – e pressentimos a importância dedicada à actualização diária da correspondência e à organização dos arquivos. Colocar em ordem os papéis passava, em grande parte, por organizar o espólio de correspondência recebida, na certeza de que, entre postais, notas, memorandos e cartas, infiltrava-se muita da ideologia de cada agente social e da sua relação com outros protagonistas.
Monteiro Lobato disse em tempos que o género epistolar, mesmo que produzido por escritores, não é literatura. Admito que sim. Mas, para quem rastreia a biografia de um agente social, ele tem tanto ou mais valor do que a obra "oficial" produzida com o intuito directo de legar informação ao futuro. A própria caligrafia (ora rabiscada à pressa, ora delicadamente desenhada) fornece pistas sobre estados de espírito e normas de etiqueta. A decifração de caligrafias é uma especialidade construída com a prática até ao ponto em que os rabiscos do Conde de Arnoso ou a letra indistinta de Oliveira Salazar são processados como se tivessem sido escritos em letra de imprensa.
Quem escreve hoje em suporte de papel? Quem perde tempo a redigir postais, cartas ou outras notas? A comunicação à distância foi tomada pelos meios electrónicos e isso terá impactes na investigação futura. É possível que as mentes mais organizadas arquivem diligentemente o seu correio electrónico ou as suas mensagens escritas em SMS, mas estou certo de que a maioria não o faz. 
Usa-se, envia-se, apaga-se.
No futuro, quando quisermos (se quisermos…) investigar o que movia os políticos da década de 2010 (se alguém quiser pegar em tão maçador tema), não contaremos com este suporte. A caligrafia esfumou-se em bits, sequências de uns e zeros, apagadas num qualquer servidor.

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