Faleceu Carlos Almaça.
O professor Almaça foi um mestre e um bom amigo da revista National Geographic. Começámos com o pé esquerdo, há mais de uma década. Quis ouvi-lo sobre a introdução do evolucionismo na academia portuguesa e interroguei-o displicentemente, sem ter lido as suas obras e artigos académicos. Precisava apenas de duas frases de discurso directo, mas essas linhas custaram-me a primeira reprimenda.
- Leu "A Origem das Espécies" de Darwin?, perguntou.
- Li partes, respondi com displicência.
- Então leia tudo, do princípio ao fim, e depois falamos, ripostou, sem me dar tempo para mais explicações. Com ele, ou se sabia, ou não se sabia.
Daí para a frente, prolongámos este ritual várias vezes. Era um especialista na história da ciência portuguesa, uma disciplina tão esquecida pela academia. Recorri ao professor Almaça muitas vezes, pedindo-lhe conselhos e opiniões. Nunca mais me esqueci da primeira conversa e não voltei a abordá-lo sem ter lido exaustivamente tudo o que encontrava sobre cada tema.
Falámos no mês passado pela última vez, como tantas vezes tínhamos feito. Ajudou-me então a separar o trigo do joio numa peça sobre os naturalistas portugueses do século XIX. A voz tremia, a respiração já era irregular, mas mantinha a lucidez de sempre. Recordo com emoção a sua defesa obstinada da ciência portuguesa e dos seus profissionais. Nunca me deixava começar a lengalenga do "país rural, quase analfabeto, com uma ciência atrasada". Batia-se pelos seus pares oitocentistas. Defendia-os. Citava exemplos e causas nobres e lembrava contextos adversos. Era um homem da ciência.
Estou desolado.
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