segunda-feira, março 11, 2019

Outros sismos, outra gente


Aproveitando a boleia das comemorações dos 50 anos do sismo de 1969, permitam que conte a minha história favorita sobre o sismo mais violento do século XX em Portugal – o de 1909, com particular incidência no Ribatejo.
Discursava-se na Câmara dos Pares. Tinha a palavra o conselheiro Júlio de Vilhena. O sismo começou a fazer-se sentir. «A sala estremecia como sacudida por mãos ciclópicas e a iminência de uma derrocada surgia», contou uma das testemunhas. Deputados, funcionários e jornalistas saíram a correr, caindo uns sobre os outros. 
Eduardo Schwalbach, futuro director do Diário de Notícias, foi «atirado por um contínuo pelos degraus da presidência e arrastado pelo sobrado para o corredor, sob pés que me calcavam impiedosamente até que, numa rodilha, já quase com os sentidos perdidos, num esforço milagroso, consegui pôr-me de pé, agarrado a uma estante de ferro».
Perante todo o pânico e «o ronco medonho saído das entranhas da terra», Vilhena, o orador do momento, hesitou. Permaneceu sereno enquanto o edifício parecia sacudido por um génio maldisposto. Era uma «pétrea estátua de si próprio».
O abalo terminou. Ouviram-se gritos e súplicas. Alguns deputados regressaram aos seus lugares, porventura para recuperar objectos perdidos. Muitos registavam a histeria própria do momento. 
Ouviu-se então a voz calma e firme de Júlio de Vilhena, proveniente da tribuna: «Como eu ia dizendo…» Estava pronto para retomar o discurso que não chegaria a fazer.

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